maio 30, 2017

Um elogio da mediocridade

(Este post é inspirado neste artigo, que descobri através deste blog. É incrível como nos últimos tempos tenho encontrado pessoas que exprimem na perfeição os meus próprios dilemas.)

Depois de um período de alguma ansiedade, limpei das minhas redes sociais aquelas pessoas/contas que me faziam sentir uma péssima mãe/mulher por não conseguir ser perfeita. Os miúdos perfeitamente vestidos e comportados, a casa perfeitamente decorada e limpa, as refeições perfeitamente planeadas e saudáveis, as viagens perfeitamente organizadas - a pressão era demais. Mas a culpa nem sequer é dessas pessoas que fazem tudo parecer simples e atingível - a pressão é, em último caso, auto-imposta e por isso só eu tenho a chave para me desfazer dela.

As viagens de avião são um belíssimo exemplo de como as nossas expectativas e a possibilidade de concretizar os nossos desejos mudaram nos últimos 10, 20 anos. Lembro-me de ser adolescente e as viagens de avião eram uma coisa séria. Não estavam reservadas para o comum dos mortais, muito menos à classe média em que sempre vivi. Custavam, muitas vezes, centenas de contos e não nos faziam sonhar que era possível ir a todo o lado. Hoje em dia, todos sabemos, viajar de avião pode mesmo ser mais barato do que viajar de carro. O incoveniente de ter de voar é largamente suplantado pela vantagem de demorar muito menos tempo. Hoje parece que podemos ir a qualquer lado no Mundo. E não é exactamente verdade, muito mais quando se pensa que agora somos uma família de cinco (quatro bilhetes de avião completos, a multiplicação dos quartos de hotel, as mesas nos restaurantes...).

Mas não são apenas as viagens. Hoje parece que é proibido não ambicionar a ter a vida perfeita. Hoje parece que somos obrigados a inscrever os miúdos em mil actividades, a ser uns pais sempre pacientes e positivos, a comportarmo-nos como dois miúdos apaixonados mesmo que no final do dia só nos apeteça fechar os olhos e dormir, a termos sucesso nas nossas profissões, a encontrarmos a profissão ideal para "nunca mais trabalharmos um dia na vida", a termos o último modelo da moda, a viajarmos para os sítios mais incríveis, a comermos nos sítios mais in. Desejar menos que isto é sermos um extraterrestre, uma anomalia de feeds de amigos e de notícias.

Não quer isto dizer que eu não tenha ambições. Ou que não deseje o melhor para mim e para a nossa família. Simplesmente, acho que o segredo é adaptar as expectativas à realidade e àquilo que podemos realmente alcançar.  Para mim, a escolha é entre isso e ter de viver na frustação  de não conseguir  acompanhar as últimas tendências. É conhecer as nossas limitações e continuar a sonhar mas com os pés bem assentes na terra. É não ter medo de não ter uma vida espectacular e aprender a apreciar a nossa vida enquanto ela acontece, porque é essa a nossa riqueza. Sem salas perfeitas, sem a última novidade em brinquedos, sem aquela tosta de abacate que é o último grito da alimentação, sem frases feitas e com muita, muita imperfeição. Com as refeições que não merecem ser fotografadas, com os gritos que às vezes damos aos miúdos, com tupperwares que valem mais do que bonecas, com passeios em que o principal objectivo é mantermos a nossa sanidade, os cinco dentro do carro.

Se eu tivesse que subscrever um manifesto, seria por bebés que crescem mais ou menos depressa; por vidas que às vezes são difíceis mas sem artifícios; por filhos que não dormem a noite toda; pelos copos de vinho que me apetece beber; pelos livros que consigo ler às mijinhas com uma espécie de laterna para não acordar o bebé; pelo monte de roupa que se acumula à espera da triagem ou simples arrumação; por todas as sestas que ficam por dormir; pela sensação de que, a cada filho, a maternidade fica mais fácil; pelas birras sempre irracionais e dramáticas; pelas cólicas e perguntas difíceis; pelos pais que às vezes discordam mas no fim se entendem; pelos momentos em que estão os três a gritar/chorar ao mesmo tempo; pelos pesadelos e xixis a meio da noite; pela erva do jardim que não se corta sozinha; pelas chuchas que se perdem dentro de casa; pelas obras no vizinho que acabam com as sestas (que já de si eram complicadas...). A nossa vida muitas vezes é chata e sem glamour mas, garanto-vos, nunca, mas nunca monótona!

maio 14, 2017

Crónica de um dia do demónio

(na verdade, este post começa ontem, quando decidi espreitar só o festival da canção para ver como paravam as modas e acabei a ver tudo até ao momento inacreditável em que Portugal ganhou. Tudo isto quando sabia que tinha de me levantar pouco antes das quatro da manhã para apanhar um avião...)

4:20 am - chego ao balcão do check-in no terminal dois e sou atendida por uma funcionária carrancuda que primeiro me pergunta se vou viajar com a criança (o pequeno Augusto, entenda-se). Quando respondo afirmativamente, pede-me a declaração paterna de que ele pode sair do país. Entrando ligeiramente em pânico, respondo que tenho três filhos, já viajei com eles separadamente em ocasiões diferentes e nunca me foi pedida tal declaração. Depois de muitos argumentos tolos (se queria sair do país, porque não tinha a criança um passaporte? Espaço Schengen, duh.), lá a convenço que temos residência permanente aqui e que o pai nos espera. Ela pede que não me exalte, eu já estou que nem posso.

4:40 am - sou convidada a passar no controlo de bagagem no fast track. Funciona impecavelmente e não há ninguém à nossa frente. Quando terminamos, estamos directa em frente às portas de embarque.

4:50 am - amamento o miúdo tranquilamente mas cheia de fome. O primero café abre às cinco mas toda a gente do terminal já está a fazer fila. Abro um saco de cajus, como uma mão cheia e vou embarcar sem tomar o pequeno-almoço.

5:30 am - Entro depois de meia dúzia de passageiros prioritários e antes do resto dos passageiros. Viajar com bebés rende sempre.

6:20 am - o voo leva uns dez minutos no ar e passa uma miúda a correr para a casa de banho. Demoro a processar o que aconteceu: leva a cara cheia de vómito, que vai pingando para o corredor do avião e salpicando alguns passageiros. O cheiro é nauseabundo e sinto pena dos comissários de bordo que, de imediato, calçam as luvas, empilham guardanapos e enchem copos de água e limpam tudo o melhor que podem.

8:55 am - o miúdo porta-se lindamente durante todo o voo e aproveito para o ajudar na aterragem, amamentando-o. O piloto faz uma das piores aterragens de que tenho memória: o avião parece que salta e vai partir-se em dois. Alguém esboça um aplauso muito fraco, o resto dos passageiros está demasiado aterrorizado para reagir.

9:30 am - finalmente posso comer e tenho a sorte de comer um mil folhas, acompanhado de um galão. Ainda não estou em mim e penso que toda a gente à minha volta fala Português. Por acaso, é mesmo verdade.

10:15 am - vamos directos para o torneio de futebol do mais velho que durará até às quatro da tarde. Não há tempo para refrescar, deixar as malas em casa ou fechar os olhos durante uns minutos - ele precisa de nós. Não consigo imaginar maior tortura do que seis horas de futebol depois de uma manhã agitada mas ele merece tudo.

12:15 pm - almoço uma salsicha e uma daquelas bebidas dos atletas, entre um aguaceiro e o Sol que volta de repente. O treinador do miúdo passa e diz que ele tem que aprender a perder.

2:15 pm - o miúdo chora sempre que lhe tocam e sempre que as coisas não lhe correm como quer. E também sempre que perde um jogo. Ou seja, passa a tarde inteira a chorar, enquanto não simula uma falta e se manda para o chão. Os outros pais riem-se.

5:30 pm - depois da mala desfeita e de alguns amassos no miúdo, é hora de levar o marido ao aeroporto. Agora vai ele para Lisboa enquanto eu fico a capitanear o barco aqui. Estou com os meus dois miúdos, nada temo. O miúdo chora na despedida do pai, o bebé chora assim que chega a casa. Mesmo assim conseguimos tomar banho os dois.

7:40 pm - o bebé não consegue dormir, ora com os ruídos, ora com as dores de barriga. Abanamo-lo à vez até que adormece mais um bocadinho. Assim que nos dá uma abébia, desenrasco um jantar à pressa porque a única coisa que quero hoje é fechar os olhos. O bebé está na mesma e o mais velho também precisa de descansar do berreiro da tarde.

8:19 pm - finalmente consegui pôr o bebé a dormir na cama e parece que é de vez. O mais velho quer dormir comigo e não consegue moderar o tom de voz, pelo que lhe dou a escolher: o silêncio ao pé de mim ou a galhofa solitária na cama dele. Adivinhem o que escolheu. Não posso teclar mais, ainda assim não acorde o pequeno. Ou adormeça sobre o teclado.


maio 07, 2017

Dia da Mãe (7 anos para mim, 37 para ela)


Hoje é dia da Mãe e mais do que nunca acho que foi preciso ter sido mãe para compreender a minha própria mãe.Pode não ser verdade para toda a gente e pode mesmo haver quem, não experimentando a maternidade, compreenda a sua própria progenitora mas eu acho que ajuda muito passar pelo mesmo.

Talvez a melhor definição do que a minha mãe sempre foi para nós se possa traduzir num acontecimento nestes últimos dias. Em conversa, eu disse que andava com vontade de fazer um bolo de cenoura e ontem ele ali estava, com aquela cobertura de chocolate malandro e sem que eu tivesse que mexer uma palha. A minha mãe nunca se esquece de nada, mesmo aquelas coisas que se mencionam de raspão numa conversa. E, mais do que não se esquecer, ela gosta de nos fazer as vontades e de nos fazer surpresas. Ele é um pijama novo na gaveta, ele é aquela tomatada de que sentimos saudades, ele é esticar o colo para caberem os três netos.

Eu ouço a minha mãe hoje em muito do que digo aos meus filhos, quer queira, quer não. Mas reconheço que às vezes acho que não vou ser capaz da mesma abnegação com os meus filhos: a minha mãe sempre nos colocou acima de todas as coisas, eu continuo a achar que há coisas em que eu estou primeiro. Enquanto escrevi, a minha mãe cozinha vários pratos para que a minha irmã não tenha que se preocupar durante a semana e só não faz o mesmo por mim porque não dá jeito a troca de tupperwares a 2000km de distância. A minha mãe até mudou e às vezes nem se chateia quando lhe perdemos a tampa de um tupperware ou quando nos esquecemos do saco térmico.

A minha mãe ensinou-me que às vezes dói fazer a coisa certa: aquilo que precisamos fazer pode doer-nos a nós e também aos nossos filhos. Mas estas dores são necessárias para que todos possamos crescer e ela não mo explicou - sentimos as duas estas dores de crescimento, houve períodos em que nos afastámos, em que não nos compreendemos mas soubemos sempre voltar a um plano de entendimento.

Não somos de muitos abraços e beijinhos - bem, talvez eu não seja de abraços e beijinhos mas ela sempre esteve lá para me amparar as quedas e eu, cada vez mais, recorro à sua sabedoria e aprecio a sua aprovação. Felizmente tenho tido um bom modelo e, mesmo que tenha cá as minhas ideias e que possamos divergir em algumas coisas, sinto-me sortuda por ter uma mãe assim. E é verdade que sou muito má a dizer estas coisas mas desenrasco-me melhor a escrever e por isso lhe escrevo hoje Feliz dia, minha Mãe!

maio 05, 2017

Quase um mês de Portugal

Estou cá quase há um mês, parece mentira. Primeiro éramos cinco, depois ficámos três.

Como sempre, fui naive e pensei que poderia descansar um pouco. Afinal, os meus pais (e, ocasionalmente, a minha avó) têm tempo para ajudar. Mas, como sempre, não é isso que tem acontecido. É o que dá ter uma filha que tem uma personalidade exuberante, à falta de outro adjectivo. A necessidade dela de chamar a atenção tem crescido e tem sido difícil de conter e por isso, se ela estiver acordada, é sempre preciso chamá-la, convencê-la, afastá-la, acalmá-la, gritar, impedi-la, guiá-la, compreendê-la, inspirar fundos vezes infinitas, recordar que ela não tem segundas intenções e só quer centro o centro das nossas atenções. Faz-me sentir que estou a falhar a toda a prova, sinto-me frustrada por não encontrar a maneira certa de me fazer ouvir, mesmo quando me lembro que todo este desnorte é o resultado de ainda não saber comunicar decentemente e de estar a competir pela atenção com o mais novo da casa. Isto não são os terrible two, são os monstruous, fearful two e eu não estou preparada para que isto ainda piore um pouco. Valem-me os momentos em que ela é uma miúda doce, enviado beijinhos a toda a gente, espalhando Bonjours por todo o lado, aprendendo mais e mais palavras em Português (sendo coitadinho! a minha preferida, cortesia da minha avó que a repete frequentemente para o bebé), dançando as canções do Panda. É um equilíbrio super ténue entre um pequeno monstrinho indomável e um docinho bilingue e picuinhas.

O senhor Augusto deixa pouco para contar. Mama e dorme infinitas vezes melhor que os seus irmãos, distingue na perfeição o dia da noite, é simpátivo e risonho quando está acordado e só sofre ainda um pouco da sua barriguinha mas melhora a olhos vistos. Agradeço ter-me calhado em sorte um bebé assim porque se tivesse um bebé chorão ou um bebé que precisasse de estar sempre colado a mim ou que precisasse de imensa atenção - bem, o cocktail seria explosivo com a sua irmã do meio.

No meio destes dois, tem-me sobrado tempo para ver alguns amigos e família, vi uma mão cheia de episódios em atraso, consegui ler um livro (E a noite roda, da Alexandra Lucas Coelho, o seu primeiro romance, inspirador e comovente e, ao mesmo tempo, um valioso testemunho histórico sobre o conflito israelo-palestiniano), cozinhei uma ou duas vezes. Tenho planos para ler mais três livros na semana que falta até voltar a casa, já perdi a esperança de aprender a tricotar uma camisola (lãs, agulhas e uma diva de dois anos não combinam de maneira nenhuma...) e ainda espero bordar qualquer coisa em ponto cruz. Não sei de onde vem esta vontade grande de trabalhos manuais mas gostava de descobrir alguma coisa em que fosse boa para me distrair e oferecer aos outros. Não são exactamente as férias de que estava a precisar mas são as melhores que se podem arranjar e sinto-me grata por isso.