novembro 19, 2016

Dias para esquecer (mas também para lembrar) para sempre

O Vicente foi ontem operado. Nada de grave, totalmente programado mas apenas com um senão: era obrigatória a anestesia geral. Quando a médica nos disse, na primeira consulta, perguntámos se não existia alternativa, já que ele é tão pequeno - não existe.

Embora a operação não fosse complicada e fosse parte questão de saúde, parte estética, a ideia de ter um miúdo de seis anos debaixo de uma anestesia geral foi difícil de aceitar. A médica garantiu-nos que era um procedimento corrente no hospital, que todo o corpo clínico é (evidentemente) devidamente qualificado e até nos descansou dizendo que há uns tempos uma anestesista portuguesa se tinha mudado do hospital Dona Estefânia para a Kannerklink, onde o Vicente ia ser operado. Explicou-nos detalhadamente a intervenção e rapidamente escolhemos a data.

Chegámos ao hospital às sete da manhã, ainda escura como o breu, com a chuva a cair em chicotadas violentas sobre nós e um vento a soprar, selvagem. Chegámos antes da hora mas o quarto já estava pronto e não demorámos a instalarmo-nos. No início da semana, tínhamos visto uma enfermeira e a médica anestesista, que nos explicaram em pormenor como tudo se ia passar e nos deram material para explicar ao Vicente. Lemos com ele um livro criado especialmente criado para explicar às crianças como se processa a anestesia, ele fez muitas perguntas mas compreendeu tudo e estava tranquilo. Ele não teve medo.

Primeiro, um creme anestesiaste na mão para preparar a entrada do cateter; depois, um xarope calmante para controlar a potencial agitação de se ver num meio estranho, rodeado de pessoas estranhas. Um túnel que me pareceu interminável entre a clínica pediátrica e o hospital central, onde fica o bloco operatório. Eu a caminhar ao lado da cama dele, ele já a delirar um pouco e a ver coisas fantásticas em todo o lado. Deixaram-me entrar com ele na sala de recobro, onde esperámos pela anestesista que o levou para a sala de operações. Foi doloroso vê-lo tão alterado, sob o efeito das drogas, calmo mas já planando sobre aquela sala onde se misturavam crianças e adultos à espera e de volta das suas operações. Calhou-nos a rapariga portuguesa, que me tranquilizou e explicou tudo em Português. Deram-me um telefone para poder sair, tomar um café e prometeram que me ligavam assim que ele estivesse de volta ao recobro. Já não havia volta a dar: tive de o deixar sozinho e confiar nas mãos daquelas duas pessoas que empurravam a sua cama. Ele, tão pequenino, agarrado ao seu doudou, sem medo, a beijar-me enquanto me dizia até já. Eu a deixar aquela zona para trás, despindo a bata e engolindo as lágrimas com toda a força que tinha.

Ao todo, esperei por ele uma hora e meia. Bebi um chocolate quente, li bastante e tive sempre o olho em cima daquele pequeno telefone, esperando que ele tocasse o antes possível. Quando me ligaram, apetecia-me chorar outra vez e corri para os elevadores. Na sala de recobro, ligado a monitores e respirando com uma máscara, o meu homenzinho era o filho mais frágil do mundo. Tive que chorar: virei-me de costas para a enfermeira de serviço, senti-lhe o corpo quente e chorei: parecia tão debilitado. Senti-me estúpida, afinal ele estava bem, apenas ainda sob o efeito da anestesia mas não consegui conter os nervos. Pensei em todos os pais que estão assim à cabeceira das camas de hospitais, com miúdos mais novos e mais velhos, a recuperarem de doenças graves e apenas de sustos e agradeci, do fundo do coração, a imensa sorte, a lotaria cósmica de ter dois filhos saudáveis.

Ele acordou de repente mas sabia onde estava. Disse-lhe apenas que tudo tinha terminado e que agora era preciso sossegar. Ele aguentou-se como um valente e só choramingou quando, completamente cheio de sede, percebeu que não podia beber nada imediatamente. As enfermeiras deram-me os parabéns, ele tinha-se portado lindamente. Passámos o resto do dia no hospital para garantir que tudo estava de volta ao lugar certo. E estava, eu tinha o meu badeja de volta <3 p="">

5 comentários:

Dalma disse...

M. parece-me que estás a ser uma mãe mt piegas! Verás que isso vai passar com a chegada o 3º.
Rápida recuperação do V. se não é que já está.
Bjis
p. s. O H. tb foi operado aos 5 anos, ouvidos e garganta e tb teve anestesia total, senão como estariam quietos?

м disse...

Nunca são situações fáceis, mas felizmente (como dizes) não era nada de grave e já está resolvido. As melhoras rápidas para o pequenino.

M. disse...

Professora Dalma, parece-me que esta é a primeira vez que discordamos! Não creio estar a ser piegas, apenas um pouco sensível, é tudo. De qualquer maneira, tudo já passou e o Vicente está em forma :) Um beijinho

M, obrigada pelos votos de melhoras :) Ele é valente, aguentou-se como um adulto!

Dalma disse...

M. "piegas" é uma força de expressão, já que muitas vezes as mães têm que fazer da forma que o ditado diz " fazer das tripas coração". Mas agora que escrevo isto parece-me um ditado sem sentido, já que é o coração que sente, para quê por por as "tripas" a fazer de coração, logo a sentir mais?! Realmente há ditados que não fazem sentido! Bjis daqui de um Portugal entre o sol e a chuva.

Helena Barreta disse...

Já passou algum tempo desde esse dia, mas não posso deixar de lhe mandar um abraço e desejar que o Vicente esteja totalmente recuperado. Que menino valente.

Um abraço