março 22, 2016

Bruxelles, ma belle

Quando o meu colega me falou nisso, não me apercebi logo. Cruzámo-nos a caminho da máquina do café, ele com phones nos ouvidos enquanto me dizia Estou a ouvir as notícias. Pensei que era o ritual matinal dele mas realmente nunca antes o tinha visto a fazer semelhante coisa.

Depois sentei-me, café a ferver ao lado do computador, a sandes que não tive tempo de comer em casa e ele pergunta-me Já viste, isto outra vez? e eu não fazia ideia do que se tinha passado. O que se passou?, perguntei eu sem qualquer noção da gravidade e foi aí que ele me disse que Bruxelas tinha sido atacada. Bruxelas, onde estão os nossos maiores amigos. Bruxelas, onde o meu marido esteve há apenas três dias. Bruxelas, a cidade a que mais vezes voltei e na qual sempre me senti em casa. Bruxelles, ma belle.

Viver no centro da Europa tem tantas coisas boas. Tem as grandes capitais todas à mão, tem uma rede de transportes sofisticada e eficiente, dá-nos a falsa sensação que o mundo é todo nosso e que nos podemos mover como queremos. Mas tem a desvantagem de estarmos também nesse centro nevrálgico que estes bárbaros querem atingir, no centro dessa comunidade que vive em liberdade, que acolhe quem é diferente, que vive e deixa viver. E isso é o pior dos nossos pecados aos olhos de quem nos quer tanto mal. Por muito que tente, não consigo entender porque é que isso é tão difícil de aceitar e porque é que temos que, escolhendo uma religião, bater-nos até à morte para fazer valer a nossa fé. A minha fé é só uma: tenho fé no ser humano. Mas isso é nos dias bons, porque nos dias maus é difícil pensar que nem todos somos monstros intolerantes e selvagens, parece que o mal se multiplica por toda a parte. Torna-se cada vez mais difícil acreditar numa solução que não passe, ela também, pela violência e pela opressão de outros credos. Entretanto, há gente com fome e com frio às portas da Europa. Conseguir entrar, se não o era já antes, torna-se completamente impossível porque é humanamente impossível confirmar que todos os que vêm o fazem por bem.

Tenho muitas vezes pesadelos e sonho muita vez com o fim do mundo, que quase sempre chega sob forma duma catástrofe natural ou (ultimamente) pelas mãos (braços? tentáculos? coisas?) de extraterrrestres. Mas desses pesadelos eu posso acordar, respirar fundo, assegurar-me que os meus filhos estão quentes nas suas camas e seguir a minha vida. O novo pesadelo, este que se constrói todos os dias e do qual não podemos despertar, está cada vez mais à nossa porta.

***

No mesmo dia em que perco um pouco mais de fé na humanidade, há uma vida que chegará a Bruxelas com toda a pujança e potencial para mudar o mundo. E sossega-me saber que terá os braços da família prontos para acolhê-la, mesmo no meio de tantos destroços e de falta de esperança. Agarro-me a esta pequena luz com o desejo que possa crescer num mundo de paz e tolerância, que possa brincar com os meus filhos sem qualquer receio, que possamos ver o fim destes ataques todos juntos.

2 comentários:

Dalma disse...

Que dizer? Tu já disseste tudo! Bjis

M de M disse...

Os meus amigos que estavam em Bruxelas, já começaram a regressar, quando as coisas começaram a correr mal por Paris . Ninguém ( sobretudo com filhos) consegue dormir e viver assim...
Têm pensado nisso ?
Beijos