março 29, 2016

Segundo Capítulo


Para mim, era mais ou menos inevitável. Só me faltava entender como podia materializar-se a nossa colaboração, em que formato ou em que meio mas sabia que havia de chegar.

O Mário é aquela pessoa que olha para o Mundo já à procura da fotografia ideal. Vê beleza escondida em tantas coisas que não posso deixar de me sentir espantada sempre que me mostra uma fotografia sua. Tem um estilo, tem um olhar que eu posso claramente identificar como seu. Procura o indizível, o intocável com cada disparo seu. Colecciona material analógico, revela ele mesmo as suas fotografias e nem por isso deixa de apreciar o conforto de ter um smartphone na mão. Ele pensa mesmo a fotografia, ao contrário de mim, por exemplo, que tento apenas registar o meu dia a dia - ele faz o mesmo mas sobe sempre a parada e mostra-me a melhor composição, o melhor enquadramento. Quando vejo as minhas fotografias, fico sempre ligeiramente frustrada porque tendo a comparar-me com ele. E para mim ele não tem comparação.

Quando namorávamos e vivíamos longe um do outro, tentámos um blogue que durou pouco tempo porque, felizmente, acabámos a viver juntos mais depressa do que esperávamos. Ele fotografava e eu escrevia curtas histórias com base nas suas imagens. O blogue que nasceu agora não é muito diferente, salvo que eu não conto histórias mas antes falo um pouco sobre o que é a nossa vida (não quero dizer aqui, quero antes dizer pelo Mundo). Não sei o que é que este novo sítio vai fazer pelo meu velho blogue, não quero deixar um em detrimento do outro. Vou deixar só que as coisas aconteçam e é tudo.

Para conhecer este novo capítulo na nossa história, podem clicar aqui. Temos todo o gosto em que nos visitem na nossa nova casa.

março 27, 2016

DIY (Fizemos Nós Mesmos)


Nós temos muito pouco de artistas mas não queríamos pendurar nada na parede que não tivesse nada a ver conosco. A solução? Fazermos nós mesmos, claro! Havia aquele grande espaço vazio no quarto dos miúdos, onde não queríamos nada que fosse claramente feminino ou masculino, a ideia era que fosse um espaço dos dois.

Comprámos uma grande tela há uns meses. Tínhamos pensado num enorme mapa mas não encontrámos nenhum que nos enchesse mesmo as medidas. A parede tem uma espécie de defeito bem grande (como aliás toda a casa, descobrimos já depois de nos termos mudado mas nada que umas boas demãos de tinta e algum gesso não possam resolver) e era preciso qualquer coisa que o tapasse, ao mesmo tempo que preenchia bem a parede.

Ela é muito pequenina e aindas não participou. Calculo que, assim que ela cresça mais um bocadinho, tenhamos que fazer uma nova versão para que todos possam participar. Por agora, ficámos com uma obra verdadeiramente eclética: pai, mãe e filho têm estilos completamente opostos. E pode não estar um exemplo de design, simetria ou proporcionalidade mas foi feito a seis mãos, as nossas mãos, com direito a algumas birras pelo meio porque lhe faltava a inspiração.

março 22, 2016

Bruxelles, ma belle

Quando o meu colega me falou nisso, não me apercebi logo. Cruzámo-nos a caminho da máquina do café, ele com phones nos ouvidos enquanto me dizia Estou a ouvir as notícias. Pensei que era o ritual matinal dele mas realmente nunca antes o tinha visto a fazer semelhante coisa.

Depois sentei-me, café a ferver ao lado do computador, a sandes que não tive tempo de comer em casa e ele pergunta-me Já viste, isto outra vez? e eu não fazia ideia do que se tinha passado. O que se passou?, perguntei eu sem qualquer noção da gravidade e foi aí que ele me disse que Bruxelas tinha sido atacada. Bruxelas, onde estão os nossos maiores amigos. Bruxelas, onde o meu marido esteve há apenas três dias. Bruxelas, a cidade a que mais vezes voltei e na qual sempre me senti em casa. Bruxelles, ma belle.

Viver no centro da Europa tem tantas coisas boas. Tem as grandes capitais todas à mão, tem uma rede de transportes sofisticada e eficiente, dá-nos a falsa sensação que o mundo é todo nosso e que nos podemos mover como queremos. Mas tem a desvantagem de estarmos também nesse centro nevrálgico que estes bárbaros querem atingir, no centro dessa comunidade que vive em liberdade, que acolhe quem é diferente, que vive e deixa viver. E isso é o pior dos nossos pecados aos olhos de quem nos quer tanto mal. Por muito que tente, não consigo entender porque é que isso é tão difícil de aceitar e porque é que temos que, escolhendo uma religião, bater-nos até à morte para fazer valer a nossa fé. A minha fé é só uma: tenho fé no ser humano. Mas isso é nos dias bons, porque nos dias maus é difícil pensar que nem todos somos monstros intolerantes e selvagens, parece que o mal se multiplica por toda a parte. Torna-se cada vez mais difícil acreditar numa solução que não passe, ela também, pela violência e pela opressão de outros credos. Entretanto, há gente com fome e com frio às portas da Europa. Conseguir entrar, se não o era já antes, torna-se completamente impossível porque é humanamente impossível confirmar que todos os que vêm o fazem por bem.

Tenho muitas vezes pesadelos e sonho muita vez com o fim do mundo, que quase sempre chega sob forma duma catástrofe natural ou (ultimamente) pelas mãos (braços? tentáculos? coisas?) de extraterrrestres. Mas desses pesadelos eu posso acordar, respirar fundo, assegurar-me que os meus filhos estão quentes nas suas camas e seguir a minha vida. O novo pesadelo, este que se constrói todos os dias e do qual não podemos despertar, está cada vez mais à nossa porta.

***

No mesmo dia em que perco um pouco mais de fé na humanidade, há uma vida que chegará a Bruxelas com toda a pujança e potencial para mudar o mundo. E sossega-me saber que terá os braços da família prontos para acolhê-la, mesmo no meio de tantos destroços e de falta de esperança. Agarro-me a esta pequena luz com o desejo que possa crescer num mundo de paz e tolerância, que possa brincar com os meus filhos sem qualquer receio, que possamos ver o fim destes ataques todos juntos.

março 07, 2016

Viver com um propósito

Prelúdio

Várias pessoas na noite de Sexta-feira passada: Mas tu nunca não te cansas dançar?
Eu: Eu tenho tão poucas oportunidades de dançar que (quando o faço) faço-o à séria.

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Volto à questão dos podcasts e de como me têm feito (entre outras coisas, claro) pensar. Já aqui disse que não acho que nasci para ser mãe, nem sigo as últimas tendências da moda e não sou a maior feminista que conheço. Gosto de pensar em mim como uma pessoa simples ou como uma pessoa num processo longo e complexo de simplificação, que continua a aprender como apreciar e valorizar as pequenas coisas e que tenta a aceitar os acontecimentos diários como algo natural, mesmo que às vezes sinta que não são desprovidos de significado.

Aconteceu-me uma coisa com o passar do tempo: cada vez mais me estou nas tintas para o que os outros pensam de mim ou daquilo que faço. Não tento agradar a ninguém: é possível que seja mais tolerante ou diplomata em questões profissionais mas na minha vida pessoal não tenho papado fretes. Por isso, Sexta-feira à noite fui ao lançamento do rebranding da empresa em que trabalho e dancei até não aguentar mais. Ou até o DJ matar a pista, o que coincidiu no tempo. Há uns anos atrás, demasiado auto-consciente, teria reservas em divertir-me sem amarras. Hoje em dia, ainda demasiado auto-consciente mas sem dar a isso a mínima importância, não hesito em dar tudo na pista de dança, literal e figurativamente - imaginem que a pista de dança é também a vida.

Liga este pequeno fait divers com um podcast que ouvi hoje ( chama-se Amplify your life, da mesma autora do site Abundant Mama) em que se discutiam os conceitos de slow living e de knowing your why. Muito resumidamente, a ideia é que devemos tentar encontrar o propósito nas nossas vidas, ou seja, procurar aquilo que nos faz mais feliz e eliminar tudo o resto das nossas vidas. Para isso, viver devagar é essencial. E o que é isso de viver devagar? É simplesmente não nos impormos todas as tendências de moda do mundo, não inscrevermos os nosso filhos em todas as actividades possíveis e imaginárias, não sentir que necessitamos de ver aquele filme ou conhecer aquela banda para nos sentirmos completos. É literalmente reduzir a velocidade a que vivemos e não deixar que as imposições sociais, culturais, emocionais tomem conta das nossas vidas. É escolher fazer as coisas com um propósito, aceitar que não vamos conseguir estar em todos os sítios ao mesmo tempo, saborear o prazer que nos dão as pequenas coisas. Como dançar sem reservas numa Sexta-feira à noite.

Isto não significa que deixemos de querer o melhor para os nossos filhos, nem que subitamente desliguemos das actividades que sempre nos trouxeram felicidade e um sentido de pertença. Viver com um propósito, para mim, é simplesmente aceitar que o meu tempo, as minhas costas, a minha paciência têm limites. É deixar de me sentir culpada por não conseguir acompanhar todas as novidades no mundo da música e por ter de escolher melhor os livros que leio porque o tempo não estica. É, lentamente também, sentir a liberdade de não precisar de impressionar ninguém e a satisfação de gerir o meu tempo o melhor que uma vida profissional, dois filhos e uma casa permitem. E é mesmo dançar como se ninguém estivesse a ver...