junho 25, 2015

Singularidades de uma mãe de dois

Dormir nunca mais é a mesma coisa. Nunca, nunca mais. Já tínhamos um miúdo de quatro anos a dormir relativamente bem, apenas com alguns episódios de terrores noturnos ou simples pesadelos. Conseguimos que não bebesse leite a meio da noite a muito custo mas já não temos tido muita sorte com as horas a que acorda ao fim de semana. De repente, juntámos-lhe uma miúda de quatro meses que, apesar de não dormir a noite toda, não chora (só mesmo em desespero) e que é relativamente fácil de adormecer. Ainda estamos a treinar a coisa de a deixar adormecer sozinha na cama e acho que está a andar. Mas a cabeça de mãe não deixa dormir como antes - qualquer suspiro ou volta na cama são suficientes para despertar. Esta semana o mais velho gritou pela irmã em pleno sono e pregou-me um valente susto. Eu, que sempre conseguia dormir até ao meio dia nos bons velhos tempos, transformei-me numa pessoa das manhãs e luto para relaxar mais durante as noites.

As coisas pequenas são mais saborosas que alguns grandes gestos. Nos primeiros tempos, é difícil descrever a patetice que é ficar contente com um cocó mas foi assim com ele e continua a ser assim com ela. Ele trouxe-me a prenda do dia da mãe há uma semana. Conseguiu guardar segredo enquanto a fazia lá na escola e isso surpreendeu-me. Mas o melhor são momentos como quando me perguntou Posso dizer-te um segredo?. Acenei que sim e ele disse-me ao ouvido, bem baixinho Prometo que hoje não choro quando me for deitar. Foi ele que decidiu isto, espontaneamente, sem ninguém lhe pedir nenhum compromisso e cumpriu a promessa. Ele nunca nos deixa esquecer as nossas promessas mas também honra as dele.

Deixei de ter medo de coisas parvas. Ter um filho tem este efeito: passamos a achar ridículos alguns medo. Lembro-me de ficar tão nervosa para entrevistas de traqbalho, por exemplo, que a dor passava a ser física. E depois tive um filho e agora o segundo e nada disso me assusta. Convenhamos: quatro horas em trabalho de parto intenso em casa, quarenta minutos no hospital e nenhum tempo para levar a epidural tornaram-me mais rija. Claro que tenho ainda medo de algumas coisas mas eliminei os medos supérfluos. É muito importante ter um trabalho, claro, mas é mais importante poder estar com os nossos filhos.

Comecei a ver os meus filhos reflectidos em todas as crianças do Mundo. Nas que são refugiadas, nas que têm fome, nas que têm família e nas que não a têm, nas que se cruzam conosco diariamente. Todas as caras me fazem lembrar dos meus filhos e da imensa sorte que eles tiveram nesta lotaria: puderam nascer em países onde há paz e segurança suficientes para as crianças crescerem. É que se pensarmos no número de refugiados que existem no mundo, se não ignorarmos as imagens que nos chegam todos os dias a casa, então temos mesmo que admitir: temos uma sorte imensa por podermos fazer parte de um mundo livre, sem nunca precisarmos de deixar as nossas casas.

Às vezes pode não parecer mas consigo gerir muito melhor o cansaço. É claro que há dias em que tudo o que quero fazer é ficar deitada no sofá e reservo-me o direito de ter mesmo esses dias. Mas depois há os outros em que consigo fazer tudo o que tenho em atraso e nesses dias sinto-me uma verdadeira super-mulher. Às vezes ando a passear com ela no quarto de olhos fechados e com vontade de dormir, outras só estou à espera que eles se deitem para poder fechar os olhos mas no geral sinto-me muito menos cansada do que quando nasceu o Vicente. Talvez seja o calo, a prática, não sei, mas por enquanto ainda dá para gerir. Só não quero pensar quando, daqui a seis meses, tiver que voltar ao trabalho. Mas empurrei essa data para o meu inconsciente e lá ficará até dar.

junho 11, 2015

De que têm medo os Luxemburgueses?

(Disclaimer prévio e óbvio: não percebo nada de política. Este post é menos sobre castigos políticos e mais sobre integração.)

No passado Domingo, os Luxemburgueses foram chamados às urnas para um referendo, onde lhes foram feitas três questões:

- está de acordo com o voto a partir dos 16 anos?
- está de acordo com o voto dos estrangeiros residentes (desde que habitem no Luxemburgo há pelo menos dez anos e tenham já votado em eleições comunais/europeias anteriores)?
- está de acordo com a limitação dos mandatos governamentais a um máximo de dez anos?

A questão sobre o voto dos estrangeiros incendiou as conversas e as redes sociais, ao mesmo tempo que trouxe para a discussão a ideia de que, apesar de muito se falar sobre tolerância e integração, os Luxemburgueses (grande parte, pelo menos, e a julgar pelos resultados do referendo) são xenófobos. Um pouco antes e depois desta consulta pública, dediquei-me a investigar os foruns online sobre o assunto e fiquei assustada e, simultaneamente, espantada com aquilo que fui lendo.

Primeiro, há que dizer que o Luxemburgo é um caso isolado no que diz respeito aos seus congéneres europeus: é o único país em que a percentagem de estrangeiros residentes está prestes a ultrapassar a percentagem de naturais do país. Do total de 563 mil residentes, 258 mil são já estrangeiros (donde 92 mil são Portugueses). Prevê-se que em 2020 o número de estrangeiros a residir aqui ultrapasse os naturais do Luxemburgo, a fazer crer no balanço migratório dos últimos anos. Isto quer dizer que em breve mais de metade de população deste país não terá direito a votar e terá que aceitar as escolhas de menos de metade da população.

Os Luxemburgueses contra o direito ao voto dos estrangeiros (quase 80% dos votantes neste referendo!) acham que todos os estrangeiros que querem votar devem pedir a nacionalidade Luxemburguesa. Para este efeito, é apenas necessário residir no país há pelo menos sete anos, frequentar um curso de instrução cívica e passar num curto teste de Luxemburguês (uma prova oral sobre assuntos do dia a dia). São estas três cláusulas que tornam alguém digno de poder votar neste país. Eu acho que saber Luxemburguês é desejável e devia ser encorajado mas num país com três línguas oficiais e em que as demarches administrativas são feitas maioritariamente em Francês e Alemão, não entendo a insistência. Falar e compreender duas das línguas oficiais, por exemplo, devia também valer alguma coisa.

Os Luxemburgueses querem, naturalmente, defender a sua língua, história e património. Evidentemente, sou a favor desta auto-preservação, que creio ser comum a todos os povos. Mas os Luxemburgueses acham que os estrangeiros apenas vêm para ganhar mais dinheiro que no seu país de origem e nada mais. Esquecem-se que esses mesmos estrangeiros também querem ficar porque gostam de viver num país mais justo, onde as melhores condições de vida não se resumem aos ordenados, onde há gente de centena e tal de nacionalidades, onde o património histórico e natural são verdadeiramente impressionantes e porque o país está exactamente no coração da Europa. Também se esquecem que os estrangeiros trabalham e, como tal, pagam as suas contribuições, sendo que muitas vezes ganham menos do que um trabalhador luxemburguês exactamente na mesma situação.

Muitos comentários que li diziam qualquer coisa como "Não gostam? Podem voltar para a vossa terra". Acho que estes comentadores se esquecem que sem nós, os estrangeiros que (ainda) não sabem falar Luxemburguês mas que vivem em pleno a sua vida no país não existiria construção civil, restauração, turismo, serviços. Sem nós, o país estaria muito mais atrasado e seria muito menos atraente. Era bom que, a curtos passos de nos tornarmos a maioria, os Luxemburgueses passassem a olhar para nós como parceiros em vez de potenciais ameaças. E que percebessem que uma língua não nos faz amar e valorizar mais o seu país.

junho 02, 2015

Bem-me-quer, mal-me-quer

Nos últimos tempos tenho ouvido algumas histórias de relações que não deram certo. Não vou cometer o erro de considerar que os motivos foram sempre os mesmos mas, no geral, há uma característica que me parece comum a todas: há muitas pessoas que não sabem o que querem.

Pessoalmente sempre tive um problema: parti sempre para as minhas relações com a ideia de que aquela é que era. Mesmo nas relações mais fugazes, em que honestamente eu sabia que não tinha grande hipótese de ir a algum lado, eu investi muitíssimo em fazer tudo resultar. Acho que sempre levei tudo demasiado a sério, nunca fiz coisas só por fazer, sempre procurei ser a melhor versão de mim mesma. Mesmo por isso, vi-me enredada em algumas ilusões que eu mesma criei, sofri e, nesse aspecto, fui responsável for esse sofrimento. Mas, se existe alguma coisa de que me posso orgulhar, é o facto de sempre ter respeitado as pessoas que passaram pela minha vida.

Ouço histórias hoje em dia que me fazem temer pela minha própria relação: pessoas que estavam juntas há imenso tempo e que se separam pelos motivos mais absurdos, famílias que se constroem para logo cada um ir à sua vida, divórcios e separações litigiosas, surpresas um pouco tristes, até na minha perspectiva. Não tenho nada contra pessoas que não querem assumir compromissos, que querem ser livres. Mas então que o admitam, ajam de acordo essa sua filosofia de vida e poupem as outras pessoas do sofrimento desnecessário. Ouço histórias de pessoas que mudam radicalmente e um dia simplesmente deixam de gostar e tenho medo por nós.

Na maioria dos casos, acho que as pessoas se esquecem que uma relação a sério requere trabalho, empenho. Não é só feita de magia e daquela paixão inicial, ambas tão fortes e cegas. Uma relação a sério passa, a partir de um certo momento, a ser também composta daqueles momentos banais do quotidiano, sem glamour nem encantamento, dos defeitos do outro e dos nossos defeitos (tanto os que conhecíamos como os que vamos descobrindo), dos filhos se os houver, das vezes em que só pensamos em estar sozinhos. Não é fácil, muitas vezes não é inspirador, não é bonito. Não é só caras felizes nem fotografias perfeitas, não é toda a gente de acordo, uma rotina sem percalços. Não sei se há quem espere tudo isto mas eu acho que não existe nada assim. Mas sei que existem relações em que as pessoas cuidam uma da outra, em que o sentimento de segurança e tranquilidade é avassalador, em que a admiração e o orgulho pelo outro vão crescendo, em que o amor vence as quezílias mais mesquinhas com o sorriso gozão de quem sabe que ia ganhar. Felizmente, também conheço histórias de amor duradouras, de preserverança e empenho. E a única coisa que desejo é que todos possam encontrar alguém por quem valha a pena lutar, com quem valha a pena discutir, com quem possam ser verdadeiros e por quem se sintam valorizados. Eu bem sei que muitas vezes parece qualquer coisa verdadeiramente rara e inatingível mas talvez com um pouco de paciência e o olho bem aberto a pessoa certa esteja bem perto. E se não estiver, continuo a acreditar que mais vale só que mal acompanhado.