julho 10, 2014

Mesmo à émigrant

Este ano, e para ser um bocadinho diferente das visitas até aqui, resolvemos ir de carro para Portugal nas férias do Verão. Não vamos em Agosto, é certo e por isso se perde alguma daquela mística, mas os dois mil quilómetros cá cantarão outra vez em cada direcção. E claro, sempre se poupam uns seiscentos euros em bilhetes de avião, a que se sumariam uns cento e cinquenta de um carro alugado, o que é sempre de considerar

Primeiro tínhamos pensado em fazer a viagem pelo Sul de França e de Espanha. Pegávamos no carro e íamos pela costa, parando nas praias onde nos apetecesse tomar banho, suspirando com as piturescas aldeias à beira mar. Mas depois, quando pensávamos no número de dias que tínhamos para fazer as viagens e em todas as coisas que gostávamos de fazer em Portugal, a conclusão pareceu-nos óbvia: é impossível, estamos malucos ou quê? Então refizemos o percurso (ainda nada verdadeiramente decidido) e agora está claro que vamos direitos como uma seta a nosso rectângulo mais querido.

Vou já dizer: não vamos de Mercedes. Nem de BMW nem outro carrão so género. Chegaremos a Portugal no primeiro carro novo que pudemos comprar com o nosso dinheiro, feio ou bonito, potente ou a soluçar pelo caminho. Não pretendemos impressionar, apenas poder chegar a casa e encher a mala com as coisas que nos têm feito falta aqui. Na minha cabeça, uma imagem: três garrafões de azeite, um frasco de tempero de açorda, bacalhau. É o lugar comum mais verdadeiro da vida de emigrante, parece-me. São coisas difíceis de encontrar aqui ou, se se podem encontrar, vendidas a preços astronómicos e com bastante menos qualidade. Também queremos dar uma volta a todas as coisas que deixámos para trás quando decidimos sair. Naquele dia em que me meti ao caminho com o nosso amigão, tinha na mala da velha carrinha apenas aquilo que considerávamos essencial para recomeçar. Vivemos até aqui sem muita coisa que ficou em Portugal e daremos tudo o que acharmos dispensável, que imagino ser grande parte. É uma ideia libertadora e que pode certamente ajudar pessoas que precisam.

Então e fazer uma viagem com o gaiato reguila de três anos? Pois, não sei. Eu confio nos poderes da canetas de feltro, dos lápis de cera, dos desenhos animados para distrai-lo das longas horas de viagem. A ansiedade seria muito maior se ele fosse mais pequeno e mais irascível, acho que dificilmente arriscaríamos fazer uma viagem destas. Mas dizer-lhe que vamos a caminho de Portugal, a caminho da nossa casa e das casas dos avós, a caminho da praia e da piscina, a caminho de algum Sol (que espero dure até que voltemos) deve chegar para o acalmar de vez em quando.

Ainda faltam uns dias mas claro, a minha cabeça já está em contagem descrescente. E de vez em quando vou-me lembrando de coisas que quero mesmo trazer para cá. Que pena não conseguir arrumar o meu país na mala espaçosa do nosso carro.

julho 06, 2014

Pensar pensar pensar

Eu gostava de ter nascido noutro tempo. Correndo o risco de parecer mal agradecida ou mesmo de ser mal interpretada, eu gostava de ter nascido noutra época. Gostava de ter um trabalho para a vida, anos inteiros sem me preocupar com a falta de estabilidade, com ou sem progressão de carreira, mesmo não tendo escolhas. Gostava de viver num tempo em que não se pensava tanto no que se gostaria de fazer, aceitava-se a vida como ela é e os sacrifícios que fazem parte dela.

Viver hoje, trabalhar nos dias que correm é, no meu caso, uma luta desigual entre o que se tem que fazer para viver e o que se gostava de fazer. Com a agravante de eu não ser uma pessoa muito inclinada a correr riscos, de me faltar a imaginação e alguma coragem para conseguir viver exactamente da maneira que idealizo. Viver hoje é aceitar o que o mercado nos dá e fazer o melhor possível com a educação que foi sacada a ferros e no fim valeu de muito pouco. Eu bem sei que estudar nos abre imensamente os horizontes; o problema é que, em casos como o meu, não abre muitas portas profissionais na área. E por isso se vai fazendo de tudo.

A caminho dos dez anos de trabalho, acho que nunca me senti totalmente realizada profissionalmente. Por um lado, eu aceito que a primeira necessidade é ganhar dinheiro, porque há que comer e vestir e agora um filho. Mas por outro a violência destes sacrifícios vai-se tornando cada vez mais difícil de aguentar. Os dias, os anos passam e eu só me vejo cada vez mais longe da vida simples e com significado com que sonho. Não me interessa o status quo que me traz um emprego, longe disso. O que eu mais gostava de fazer era acordar todos os dias de manhã e não me arrastar até um emprego onde eu não pertenço e onde não posso verdadeiramente cumprir-me na totalidade. Tempos difíceis estes, em que há demasiado espaço para pensar, em que felizmente há bons exemplos de quem se deixou de coisas e se dedicou a uma vida mais tranquila e útil. Adorava que existisse um manual para se seguir a intuição sem deixar danos pelo caminho e sem pôr em risco as pessoas que estão à nossa volta. E também saber como se equilibra aquilo que se sonha para nós com aquilo que o outros sonham para si mesmos. Que a resposta não tarde a chegar.