maio 28, 2013

Eis que os terrible two se transformam nos dois-e-meio mais ou menos!

(contrastando com o tom menos optimista do último post...)

Nesta coisa dos filhos tenho visto (e sentido na pele) que não vale muito a pena deitar foguetes antes da festa. Já vi muita coisa a andar para trás desde que o Vicente nasceu e basta-me pensar no sono dele para saber que não se pode cantar vitória com toda a certeza do mundo. Mas sinto, com toda a precaução que me é possível, que as coisas começam a ser menos terríveis. Certamente que o mérito é de filho e pais e, na verdade, não saberia explicar qual é a fórmula se um dia ma pedissem.

Um dos grandes avanços nesta história (parece-me a mim) é a crescente empatia que ele demonstra pelos sentimentos dos outros e que o faz compreender um pouco melhor as consequências das suas acções. É claro que muitas vezes ainda continua um destravado que salta e trepa por nós acima, que cerra os dedos num belisco mais ou menos voluntário mas já se ressente quando percebe que fez alguma. Se vê uma expressão menos alegre ou mais preocupada, pergunta o que se passou e tem até alguns gestos de carinho na sequência disso. Compreende melhor a noção de causa-efeito ("se queres ver estes desenhos animados, precisas de arrumar os brinquedos no quarto primeiro") e já colabora mais ou menos voluntariamente nisto. Fica muito contente quando vê que correspondeu exactamente às nossas expectativas e por isso tende a colaborar bastante connosco! Brinca muito sozinho, fala e fala e fala numa mistura entre Francês, Português e Vicentês, gosta de cantar e tocar bateria com os tachos. Consegue-se perceber que já tem alguma imaginação (constrói os seus próprios meios de transporte, que faz depois passar por situações que ele criou) e infelizmente alguns medos que lhe incutiram na creche (ainda lutamos contra a ideia de uma Madame, que o aterroriza algumas vezes e que se calhar apareceu primeiro para que ele comesse).

Só ao nível mais físico, mais biológico da coisa, vá, ainda não vamos tão bem. Agora regrediu um bocadinho na comida (de vez em quando pede que lha demos, quando antes só queria comer sozinho), ainda não largou as fraldas e não demonstra nenhum interesse por isso, de vez em quando ainda acorda de noite. Mas estamos a anos-luz do Vicente de há uns seis meses, impossível de conter, acordando várias vezes por noite. É uma verdadeira delícia vê-lo a crescer assim, também porque isso acaba por influenciar a nossa disposição e diminuir o nosso cansaço. Continuo a lutar para ser uma mãe mais positiva e dou-lhe alternativas sempre que posso (a proposta para o banho, por exemplo, "vens sozinho ou queres que a mãe te leve?" resulta quase sempre), explicamos-lhe o porquê de algumas decisões mas às vezes é não porque não. É o trabalho mais difícil que alguma vez terei em mãos mas o mais recompensador e feliz. Só gostava de poder preservar-lhe a ingenuidade e a pureza indefinidamente mas isso seria desviá-lo do curso natural das coisas. Prepará-lo para o mundo, é tudo o que quero fazer.

maio 27, 2013

...

 "[...] Acontece que me canso de meus pés e de minhas unhas,
do meu cabelo e até da minha sombra.
Acontece que me canso de ser homem. [...]" 

Acontece que me cansam as pessoas. É claro que o trabalho me cansa muito mas são acima de tudo as pessoas que me deixam à beira da exaustão. Acontece que me aborreço com a falta de brio e rigor, bem como com a incapacidade de ver além do imediato. Não sei demonstrar quão cansada me senti nas últimas duas, três semanas e tudo graças a pessoas. Vazia, inerte em todos os dias que cheguei a casa e não desejei mais do que uns merecidos momentos de apatia no sofá. Incapaz de sentir alegria nos meus passatempos, impossibilitada de me ocupar das tarefas domésticas pelo cansaço. A sonhar com pessoas e problemas todas as noites, pensar em soluções debaixo do chuveiro, desanimada com a falta de acção de quem podia algo contra tudo isto. As pessoas, para evitarem a confrontação do óbvio e do que necessita ser resolvido, preferem enfiar a cabeça na areia e fingir que nada acontece. Mas é tudo até ao dia em que a bomba não rebenta no quintal mas sim no seu próprio colo e já é tarde demais para qualquer reacção. Acontece que me canso de demonstrar as minhas frustrações com base em evidências e factos e tudo o que recebo de volta ou é negação da realidade ou um espírito inutilmente apaziguador. Eu não quero ser esta pessoa que se deixa consumir por problemas que na realidade não são dela mas acontece que me enfio de cabeça e estômago e coração nas coisas que faço. Nunca soube fazer de outra maneira mas talvez comece a chegar a altura de aprender. Acontece que me canso de mentiras, de hipocrisia, de inércia e esquemas ardilosos para mascarar as incompetências. Eu não preciso disso, viver já é suficientemente difícil sem jogos desse tipo. Mas estas pessoas estão em todo o lado, vejo-o agora. Não é uma questão de nacionalidade ou de género, é apenas uma questão de mau carácter. Enquanto vinha a pensar nisto no carro, dei-me conta que isto pode soar a "Oh é o Mundo contra mim" mas posso assegurar que não se trata disso. Erros? Cometo-os como outra pessoa qualquer mas ouço opiniões, procuro outras maneiras de ver o mesmo, aceito críticas construtivas. Capacidades? Tenho as minhas e sei como não são aproveitadas, mesmo tendo consciência dos meus limites. Acontece que quando me moem durante semanas a fio, também chega o dia em que preciso respirar fundo e assumir que já não está na minha mão. E em vez de berrar ou gritar, vou pensando e repensando os acontecimentos para ter a certeza que não sou eu que estou a ser cega ou injusta ou parcial. Acontece que as pessoas me cansam mais e mais e quando dou por mim já não sinto falta de fazer amigos ou conhecidos. Amanhã, depois tudo passa e o cansaço desaparecerá. Até lá, ou até ao momento em que a bomba rebente, não gosto de pessoas e fico-me por aqui.

* extracto do poema Walking Around de Pablo Neruda que podem ler, por exemplo, aqui.

maio 20, 2013

Retratos fiéis



Não sei se alguma vez vos aconteceu reverem-se numa obra de alguém que mal vos conhece mas que, de alguma maneira inexplicável, vos imortalizou num retrato/música/livro. Não é que me aconteça isto a toda a hora ou o sentimento tornar-se-ia demasiado banal mas recebi há alguns dias um destes fenómenos na minha caixa do correio e fiquei enternecida por ser uma coisa tão especial.

Esta ilustração da Marta (cujo trabalho magnífico podem seguir aqui) chegou-me às mãos pela primeira vez para ilustrar um texto meu, um pedaço de ficção que me comprometi a escrever numa base mensal para esta revista. Eu não conhecia a Marta, nunca tinha trocado nenhuma palavra com ela mas ela acabava de me desenhar em plena planície alentejana salpicada de uma ou outra papoila. Era eu a mulher de vestido que olhava os campos a perder de vista, era eu que sentia aquele calor dourado, era eu e a Marta não sabia. Mas eu sabia e sentia-me estranhamente confortável com isso.

E então num destes dias, numa encomenda cheia de talento e de incrível beleza, a Marta fez-me chegar esta ilustração, já emoldurada e pronta para iluminar a nossa casa. Eu não sei se vocês já conhecem o trabalho dela, especialmente a série das mulheres, mas se não conhecem apressem-se a fazê-lo. E se calhar, quem sabe, ainda encontram o vosso retrato ou um pedaço de vocês que achavam perdido. Às vezes acontece-me isso mas nem sempre tenho a sorte de o pendurar na minha parede.

maio 08, 2013

As aparências iludem (agora mais do que nunca...)

Escrevo este post na sequência deste pedaço de diálogo que tive hoje no trabalho.

Pessoa: M., devias pintar o teu cabelo.
Eu: Pois devia, mas não quero.
Pessoa: Ah sim? Então porquê?
Eu: Porque se o fizesse uma vez teria de o repetir para o resto da vida e não quero estar presa a isso. Além disso, não tenho vergonha dos meus cabelos brancos.
Pessoa: Ah M. parabéns. És a rapariga mais natural que eu conheço.
Eu: Hum... vou tomar isso como um elogio.

Quanto mais cresço, vejo, leio, experimento menos compreendo esta fixação das pessoas pelo aspecto dos outros. Sempre tive um bocadinho de dificuldade em perceber porque há pessoas que iniciam conversas falando do nosso peso, da nossa roupa ou dos nossos cabelos brancos. A questão do peso, por exemplo, eu até a suportaria, mas só vindo de um amigo muito chegado ou família e se essa questão estivesse a pôr em risco a minha vida. De resto, não tenho paciência para pessoas que se focam nos nossos defeitos e pensam que nos estão a fazer um grande favor em dissecá-los. Pessoas, nós todos temos espelhos em casa! Eu vejo-me todos os dias, encaro os meus cabelos brancos, encolho a barriga que não consegui ainda pôr no lugar mas eu sei qual é o meu aspecto. Eu sei exactamente o que poderia melhorar em mim e aquilo que, lamentavelmente, não tem cura.

É claro que isso não quer necessariamente dizer que eu estou em paz com a minha imagem - não estou. Mas pelo menos, não perco tempo a pensar no que podiam as pessoas à minha volta melhorar, porque nem sequer sei se isso é importante para elas. Acho natural que se queira ter uma imagem agradável mas preocupa-me mais, por exemplo, a falta de higiene do que umas unhas sem verniz. A maquilhagem que uso é apenas para não deixar transparecer o cansaço e não para me tornar numa pessoa que não sou. Cresci assim, em minha casa nunca houve grandes pinturas nem grandes truques de beleza e sinto-me confortável com isso. Claro que às vezes tenho inveja das miúdas embonecadas que vejo por aí mas não morro por isso porque me aceito como sou. Mais do que isso, aceito que há características que nunca poderei mudar, que há assuntos em que a genética não me favoreceu e há outros em que posso dar uma mãozinha. Não sou cega e tenho opinião formada sobre as pessoas à minha volta mas não faço disso um tema de conversa e tento dar sempre lugar às segundas e terceiras impressões. Ter boa cara, vestir-se bem ou usar roupas da moda nem sempre é sinónimo de honestidade, inteligência, competência ou bom carácter. Já o pude comprovar muitas vezes na vida.

Se gosto de ter tantos cabelos brancos (um tema recorrente neste blog, aliás)? Não, claro que preferia não os ter. Se acho que isso me torna numa pessoa diferente? Claro que não, a não ser numa pessoa que os tem desde os dezoito anos e que resolveu deixá-los sobreviver livremente. Felizmente, o nosso crescimento vai-nos trazendo mais certezas e tranquilidade e eu estou certa que não me importo de ser quem sou.