dezembro 31, 2013

Adeuzinho 2013!


Já muitas vezes me tinha posto a pensar nos meus votos para o novo ano que amanhã começa. Mas confesso que, depois de ler outros desejos, outras resoluções, fiquei sempre com a impressão que os meus desejos não eram suficientemente originais ou profundos.

O ano que termina hoje foi um bom ano para mim. Trouxe-me a certeza que queria estar aqui e o carinho crescente por terras luxemburguesas, o amor contrariado pelo frio, pelo cinzento mas que ainda não consigo sentir por esta falta de luz. Às vezes, quando conduzo sozinha, ainda me surpreendo quando penso que vivo aqui e, por segundos, parece que estou a assistir à vida de outra pessoa, uma emigrante mais ou menos à força, como se Lisboa estivesse sempre a dois minutos daqui. Só que não está e apesar de algumas vezes sentir que esta vida é apenas temporária, sei que a verdade não é essa e afeiçoo-me mais ao verde dos bosques, às três fronteiras e ao estatuto de estrangeira.
Viajámos muito, este ano. Pude realizar um sonho pequenino mas antigo chamado Paris, pudemos encontrar amigos Europa fora e matar saudades. Se é a mesma coisa? Evidentemente que não mas sempre alivia a falta que nos fazem todos. Os meus pais e a minha irmã puderam conhecer o Luxemburgo e eu pude retribuir as visitas - quando olho para outros emigrantes aqui, reconheço que somos pessoas de sorte. E é exactamente esta facilidade em sairmos daqui, esta leveza em planear visitas por aí um dos factores que mais fala a favor do Luxemburgo: se estivesse em Portugal, poderia apenas sonhar com isso.

Consegui mudar de trabalho, depois de alguma espera. Quase me empurraram para o desconhecido e eu, sem oferecer nenhuma resistência, só tenho a agradecer a quem acreditou mais em mim que eu mesma. Acho que todas as escolhas que fiz até chegar aqui têm feito sentido, alguns sacrifícios, uma dose importante de stress e de adaptação em todo o lado revelaram-se finalmente compensadores. Aprendi mais e mais sobre as pessoas em ambiente de trabalho mas, acima de tudo, desenvolvi a minha capacidade de observar sem falar, de escutar e analisar os outros e dar segundas e terceiras oportunidades para ter alguma razão no final. Ascendi profissionalmente, não há como negá-lo. E além dos óbvios benefícios materiais, consegui o bem supremo: liberdade de decisão, de planeamento, de organização. E só isso me faria suspirar de alívio.

Continuamos a ser uma pequena família de três, não por nossa vontade mas isso é assunto para outro post. Somos constantemente desafiados pela exigência que é estar a dois mil quilómetros da família, sem ajudas nem tempo para respirar. Muitas vezes isso faz-nos perder a cabeça, destabiliza-nos mas faz-nos valorizar mais o que conseguimos. Continuamos a educar um miúdo para ser poliglota, um miúdo cheio de personalidade e da rebeldia característica dos putos de três anos, que tanto nos tira do sério com a sua desobediência como com a sua ternura. E chegar ao ponto em que ele me diz espontaneamente "Mãe, gosto muito ti" faz-me realmente esquecer tudo o resto!

O que é que eu desejo para 2014? Para nós muito pouco, apenas que a nossa vida possa continuar como até aqui, que possamos seguir o plano que tacitamente traçámos - viver com calma, educar e amar, ver o mundo e continuar com os pequenos gestos que podem fazer a diferença. Para a nossa família, os nossos amigos eu desejo muito trabalho, toda a saúde do mundo, força e coragem para enfrentar maiores ou menores dificuldades, tempo para si e também para os outros. O meu desejo maior era que existisse a teleportação (isto existe?) para poder estar com a gente que me faz falta a toda a hora mas pronto, nada feito. Feliz Ano Novo e que a vossa felicidade possa sempre depender das pequenas coisas!

dezembro 23, 2013

Ele está quase aí!

Sabem aquela sensação que se tem em Lisboa em pleno Agosto e a cidade está praticamente vazia? Então agora imaginem a mesma sensação mas ao nível de um país! É engraçado pensar que todos os habitantes do Luxemburgo caberiam em metade da minha Lisboa e portanto as proporções são todas um bocadinho diferentes.
 
Os portugueses são já un quinto da população do Luxemburgo mas, mais importante ainda, perfazem um quarto da população activa do país, o que é um número um pouco impressionante. Muitos homens portugueses trabalham na construção civil que, baseada num contrato colectivo de trabalho, pára por completo durante quatro semanas no Inverno e outras quatro no Verão. Isto por si podia explicar o cenário dos últimos dois, três dias: trânsito calmo, nenhuma fila para chegar ao trabalho, supermercados apenas suficientemente frequentados, sem muitas confusões de última hora. Os portugueses que ficam já se tinham abastecido nas semanas anteriores: era vê-los carregar as caixas de bacalhau como se fossem guitarras, encher os carrinhos com caixas inteiras de Licor Beirão e outras bebidas espirituosas, preparando a noite de consoada. Aposto que muitos ainda tentarão encontrar as couves essenciais entre hoje e amanhã (digo já que fui uma mulher prevenida e trouxe-as para casa no Sábado, não fosse o diabo tecê-las).
Eu cá estou pronta: a minha mãe fez-me o favor de me mandar três belíssimas postas de bacalhau, que demolham tranquilamente na nossa cozinha; as couves esperam a sua vez e eu espero que não murchem totalmente até amanhã; escolhemos um bom vinho para a Ceia; decidi que teremos apenas duas sobremesas (afinal, somos apenas dois adultos mas uma mesa só com uma seria até um bocadinho triste). O que é realmente estranho no meio disto tudo? É que, por estarmos longe, é o primeiro Natal que eu tenho de organizar, em que tenho de ser eu a garantir que está tudo em marcha. É um bom teste porque afinal somos nós os três e é também a situação ideal para criarmos as nossas próprias tradições de Natal. Este ano começámos com o calendário do advento, que o Vicente adora e que terá de certeza já lugar no próximo ano. Também usamos os enfeites de Natal que ele faz na creche para personalizar a árvore: no ano pasado eram de papel, este ano sofreram um upgrade e são feitos de qualquer material parecido com gesso. Montamos o presépio e deixamos que ele brinque com as figuras como quer (ontem pôs ovelhas, vaca e burro a pastar em cima da mesa, enquanto o Pai Natal chegava ao acampamento numa carrinha 4x4!).
Não vamos ter as filhozes e azevias da minha avó, o tronco de Natal que sempre temos à mesa, o chocolate depois da meia noite, o vinho novo que o meu pai sempre ia comprar ao produtor, as azeitonas retalhadas e temperadas dias antes de festa, o doce de ananás da outra avó, eu e a minha irmã vestidas de novo no dia de Natal, os vizinhos que passam para dizer olá e se sentam a beber um copo, os presentes chegando a casa em sacos enormes que se escondem da nossa vista nos quartos.
Não pensar muito nisto tem ajudado mas às vezes bate aquela tristeza por saber que ficamos cá. Por exemplo no Sábado, quando regressávamos das compras, e vi uma família apressada e carregada de malas, certamente a correr para o aeroporto. Queria que também nós pudéssemos partir mas náo faz mal: ao mesmo tempo, vai-nos saber muito bem ter uns dias de férias sem precisarmos de perder tempo com malas, aeroportos, carros alugados – simplesmente estarmos os três, sem compromissos e sempre a poder pegar no carro e fugir para qualquer lado.
Acho que chegou a altura de vos desejar um feliz Natal, esperando que todos possam encontrar algum conforto nesta festa de família. Sei que para muitos será mais difícil este ano mas que possamos usar este tempo para celebrarmos as coisas mais simples, os gestos aparentemente insignificantes, os pequenos prazeres, o tempo que os outros nos dedicam. Nós vamos estar longe mas felizes por saber que em muitos sítios, espalhados por parte da Europa, há gente que nos estima e a quem queremos bem. Festas muitos felizes, vos desejo eu. De coração.

dezembro 22, 2013

Balanço: a vida de trabalhadora

Falta um dia e meio de trabalho para o meu 2013 profissional terminar. O fim revelou-se bem mais desafiante do que os restantes meses e vou despedir-me deste ano de trabalho com responsabilidades acrescidas mas com a certeza que decidi acertamentente, era urgente mudar.

Comecei este ano ainda com um pouco de receio do que estava a fazer no momento. Foram meses de aprendizagem intensíssima, muitas vezes à força de não ter quem me ajudar, outras com a minha vida dificultada pelos outros. Fui conhecendo as pessoas, descobrindo com quem podia contar e quem não valia a pena mas o balanço a nível de equipa foi-se sempre deteriorando até que consegui sair.

Acho que a maior parte das pessoas do trabalho me acham demasiado séria porque me importo com as coisas que faço e porque quero que possam sempre sair bem e eu, por minha vez, não consigo habituar-me a quem vê o trabalho como um passatempo, sem qualquer responsabilidade mas com igual retribuição no final do mês. Trabalhar lado a lado com pessoas assim (que respeito, apesar de tudo) dificultou-me a vida, fez-me perguntar muitas vezes por que raio continuava eu ali. Porque sim, porque preciso de trabalhar para viver, porque não sei fazê-lo de outra forma - as respostas continuavam dentro de mim.

Com algum receio, candidatei-me à posição que hoje ocupo e vi, finalmente, o meu empenho a ser reconhecido. Foi um processo longo, acercou-se mesmo do desesperante porque eu queria uma resposta e a resposta não vinha. E também foi fracturante porque um dos colegas que mais respeito e admiro também estava na corrida. Falámos sobre isto, expliquei-lhe que não o fazia contra ele, apenas por mim e, apesar de ele compreender, acho que manchou para sempre a nossa relação profissional e isso dá-me pena. Todos sabemos que não estamos num trabalho para fazer amigos mas enfim, é sempre tudo mais fácil quando nos sentimos bem no nosso local de trabalho.

Acabo o ano feliz com tudo o que se passou e muito apoiada por outro português, com uma história de vida admirável, uma ética profissional que muito respeito e que adora contar-me sobre os pratos portugueses que a mulher, romena, lhe prepara. É especialmente importante para mim que eu e ele possamos combater o estereótipo do português (ou de qualquer povo do Sul, na realidade): falta de pontualidade, preguiça, chico espertismo, ausência de empenho. Tanto eu como ele terminamos o ano com o reconhecimento das nossas forças e isso não me podia deixar mais contente.

O ano que vem assusta-me. Mas depois penso que já pari um filho e depois disso não há nada que eu não possa fazer. Vou aprender (maioritariamente sozinha e apanhando pistas de tudo quanto vejo e escuto nas pessoas que trabalham comigo) uma profissão completamente diferente, para a qual não tenho nenhuma preparação académica. Eu faço jus à ideia que sempre tive: mais importante que estudar, ter um curso feito é querer aprender, trabalhar e absorver o que vemos à nossa volta. É claro que isto não serve para tudo (duvido que se possa formar um médico assim!) mas para alguns casos serve. Mais que isto, o meu lema para este ano será: vais aprender, tentar, praticar o melhor que possas mas se falhares... A vida continuará sempre e um emprego é apenas isso mesmo. Que venha Janeiro que eu estarei pronta para a luta!

dezembro 13, 2013

(...)

Às vezes ainda me dá para sentir-me um bocado só. São dias, toda a gente murcha um pouco de vez em quando. E nem sequer acho que alguém me poderia ajudar a não sentir-me assim.

É como se de repente estivesse a viver a minha vida toda outra vez ou a olhar para mim, ausente do meu corpo, em todo o tempo passado e no final questionar-me se era realmente preciso aquilo tudo para hoje chegar aqui. Eu gosto de pensar que sim, que valeu a pena toda a solidão, todo o isolamento que escondia, todo o sentimento de estranheza e aquela sensação de nunca encontrar o meu sítio, de nunca pertencer a nenhum grupo, de me sentir, de me colocar de parte.

Às vezes gostava de saber o que viam as pessoas quando olhavam para mim nesses anos passado. Uma miúda popular? Uma viciada em tristeza? Uma apaixonada patética? Uma rapariga medíocre? Quantas vezes as pessoas terão tido pena de mim? Quantas vezes terão desejado a minha vida? Quantas percebiam verdadeiramente o que me estava a acontecer? Mata-me perceber que nunca hei-de saber e que nunca vou entender como é olhar-me de fora. Dói-me chegar à conclusão que não sei o que vêem os outros olhos quando nos cruzamos por aí e que, quase certamente, isso já deixou de interessar.

Às vezes, muito de vez em quando tenho silêncio pelo tempo suficiente para me lembrar como era. Para fazer desfilar na minha cabeça os fins de tarde no terraço da casa em Telheiras, com vista para lá do Campo Grande sem ter a mínima ideia do que estava a fazer naqueles dias, as tardes vazias em Benfica, a ouvir a mesma música uma e outra vez, o pânico quando vivia na Penha de França por não entender o que estava a causar a mim mesma. Passei tantos dias à deriva, fechada sobre mim, repetindo um sofrimento que não sei de onde vinha até me sentir nauseada, sem vontade de acordar, sem força para estudar, sem coragem para admitir o que estava a acontecer. Hoje, por breves momentos, enquanto o nosso filho dormia para curar o cansaço de ontem, voltou-me tudo isto à cabeça e, pior, ao estômago, como se agora tivesse recuado dez anos e estivesse perdida e não soubesse como despertar desse torpor em que a tristeza me mergulhava.

Às vezes demasiado silêncio traz de volta os meus fantasmas. Feliz de mim, que agora, à custa de ter gerado uma vida que é cem vezes, mil vezes, milhares de vezes mais importante que a minha posso empurrar tudo isto de volta, como se a bagagem fosse demasiada mas a mala ainda assim conseguisse fechar. Espero que um dia não reste mais nada para me assombrar os dias cinzentos. Mas alguma vez estarei livre?

dezembro 06, 2013

Até que enfim!

Hoje é um dia feliz para mim. Depois de muitos meses de espera, vou finalmente mudar de posição na empresa e começarei nas novas funções exactamente três meses de ter recebido a notícia de que era eu a escolhida. Chiça, é o que me apetece dizer.
 
A nível profissional sou uma pessoa muito paciente. Entendo que há coisas que demoram o seu tempo, têm de passar por várias secretárias antes de serem aprovadas, dependem de estratégias de negócios que não se discutem ao nível a que temos acesso, custam dinheiro e exigem, na maioria dos casos, (perdoem-me a expressão) um grande par de tomates. Tomates que, sei também, nem toda a gente tem ou pelo menos se tem não os utiliza para coisas importantes. Não sou nenhuma visionária mas às vezes as pessoas à minha volta confirmam-me que não têm a mínima visão geral das coisas, não antecipam e nem sequer tentam entender o processo de decisão.
Dizia eu que sou uma pessoa paciente mas na verdade, depois de me ter candidatado em Julho, entrevistada várias vezes até Agosto, ter sido as escolhida no início de Setembro e, três meses depois, ainda estar exactamente no mesmo sítio, já estava nos limites da minha sanidade mental. Por ser uma mudança tão radical e importante para mim, comecei a odiar o trabalho que fazia todos os dias e a suspirar de cada vez que entrava no escritório e isso deixava-me um bocado chateada. Tentei que isso nunca transparecesse para os clientes mas tenho a certeza que nos dias de maior pressão talvez tenha deixado escapar alguma da minha frustração. Eu sabia que não queria estar aqui, sabia que me queriam noutro departamento mas não via absolutamente nada acontecer. As pessoas perguntavam-me quando me mudava, diziam que já me esperavam, os meus colegas actuais perguntavam quando me ia embora e eu exactamente no mesmo sítio.
Formei a pessoa que me vem substituir o melhor que pude e me deixaram. Tentei prepará-la para a avalanche de coisas aterradoras que vai ver chegar nos primeiros tempos, sem saber para quem se virar. Tentei acalmar-lhe o medo natural de quem nunca trabalhou nesta área de negócios e ouve coisas novas a cada minuto que passa. Tentei ser para ela quem eu precisava quando comecei aqui e transmitir-lhe simplesmente um mantra: Tu vais conseguir. Como continuarei a trabalhar com ela daqui para a frente, fiz-lhe ver que preciso da ajuda dela e que ela ma pode também pedir quando sentir necessidade.
E finalmente chegou o dia. Finalmente pude deitar os papéis velhos fora, limpar a minha secretária, começar a ocupar o meu novo lugar, com os meus novos colegas, longe de todo o caos. Estou finalmente livre da ditadura do telefone e da consola que o controlava e não deixava que  as linhas estivessem desocupadas. Ganhei de certeza outras responsabilidades (cumprir objectivos, um budget caraças!), enfrentarei outros problemas mais ou menos graves, viajarei e falarei com gente que se calhar não tem muita vontade de falar comigo mas cheguei finalmente ao nível em que tenho liberdade. Já não me crucificam se chegar uns minutos atrasada, já não dependo de ninguém para poder fazer pausa ou ir de férias, sou livre de organizar a minha agenda, de encontrar uma estratégia para chegar onde a empresa precisa, de pensar e investigar. Para mim isto não tem preço, especialmente porque esta mudança implica que no futuro posso sonhar com outras posições e não só com posições entry level como até aqui.
Caraças, estou finalmente livre e mal posso acreditar! Agora vou só pôr mãos à obra e aprender o que fazer com esta liberdade para que não me perca no caminho. Façam figas, se faz favor.