janeiro 28, 2013

[um post pelo luto]

Não é que a pausa tenha acabado, esta é só uma pausa dentro da pausa. E é mórbido mas só volto aqui agora porque ontem aconteceu isto e isto. E porque ontem perdi tanto tempo a pensar nisso, dei tantas voltas na cama, procurei por detalhes, pelas histórias que provavelmente ficarão para sempre por contar, tentei saber quem eram os mortos. Quase todos os que morreram no acidente do autocarro eram do meu bairro - de acordo com as notícias de ontem, dez em onze. E se isto não nos atinge mais do que o normal, então não sei.

Mas a verdade é que todas estas coisas, todas estas tragédias inexplicáveis têm o condão de me confrontar com a minha própria mortalidade. E com a aleatoriedade dos acontecimentos. Quantas viagens de expresso, quantos mil quilómetros entre Lisboa e Portalegre, quantas viagens de carro Portugal fora, quantos descuidos e quanta sorte tive eu na minha vida? Ontem apetecia-me não mais sair, só ficar em casa enrolada sobre mim e agarrando o meu filho, que é também ele um milagre, protegendo-nos desta lotaria tão injusta. É que isto de ser mãe deu cabo das minhas emoções, descontrolou-me as hormonas (e não foi só durante a gravidez e o pós-parto, que eu agora choro por dá cá aquela palha com qualquer reportagem na televisão) e tornou esta ideia de que há tanto que não podemos controlar numa coisa muito mais assustadora.

E depois foi ver aqueles corpos todos estendidos no chão, sem sinal de violência visível, como que dormindo tranquilamente. E sofrer quando caio em mim e me lembro de que eles não vão acordar. E imaginar tudo o que ficou por fazer, as famílias apanhadas de surpresa sem nada que o pudesse fazer prever, inconscientemente a pôr-me naquele lugar. Continuo a achar que não devíamos morrer e aos trinta e três anos ainda não aceito a ideia da nossa mortalidade.Que eu tenha, como esta gente corajosa, força para a encarar de cada vez que se cruze no meu caminho. E que continue a acreditar que um dia mais tarde, num sítio qualquer, nos vamos voltar a encontrar e a recuperar o tempo perdido. Preciso aprender a aceitar que, sempre me disse a minha avó, a morte é o que de mais certo temos.

janeiro 18, 2013

[pausa]

Eu não sei o que escrever, a verdade é essa, sem rodeios possíveis.

A poucas semanas do blog completar nove anos (é obra!, acho eu) eu não sei o que escrever. Maioritariamente porque leio os blogs à minha volta e sinto que não tenho nada de interessante para dar. Sinto que a minha é a menos entusiasmante das vidas e não há nada que eu possa acrescentar à blogosfera. Deixei de ler os blogs perfeitos e famosos porque não suporto essa ideia de que há vidas imaculadas e porque já não acredito naquelas pessoas: afinal, elas passaram a ser marcas. 

Como não nasci com nenhum talento especial, sofro. Não tenho jeito para trabalhos manuais, não sei tocar nenhum instrumento e muito menos cantar, seria uma péssima actriz, gosto de cozinhar e escrever e é só. Não sei se foi o Mundo que me meteu na cabeça que todos havíamos de ser especiais, que havíamos de ser talentosos ou se fui eu mesma que me meti nesta armadilha. Não somos, não sou. Hoje em dia escrever é quase uma tortura, especialmente depois de ler o que se escreve por aí e perceber que se calhar nunca encontrei un estilo, nunca encontrei a minha voz. 

Em nove anos aconteceu tanta coisa! Tive namorados, vivi em Berlim, comecei a trabalhar, comprei uma casa, senti-me a pessoa mais só de sempre, vivi sozinha e com a minha irmã, desiludi-me uma mão cheia de vezes, fiz belos amigos, encontrei a pessoa que mais me compreende no Mundo e que me completa de uma maneira quase assustadora, tive um filho, emigrei. Postas assim as coisas, parece muito. Mas não é isso que sinto agora. As palavras abandonaram-me e eu tenho tentado encontrá-las a todo o custo mas não tem sido fácil. 

Não me estou a despedir de ninguém. Não estou estou a dizer adeus, é preciso sublinhar. Mas o que é certo é que preciso com urgência aprender a lidar com esta frustração, a combater esta afonia. E fico triste porque são nove anos a escrever e eu sempre a ter assunto e achar que podia fazer isto para sempre. Não sei se consigo e nem sei se o problema não é ainda mais profundo do que a falta de palavras. Espero sobreviver, salvar a minha voz virtual mas honestamente não estou certa disto. Não sei mas quando souber digo. Mesmo se já não houver ninguém desse lado a ouvir.

janeiro 12, 2013

Cozinhar para lembrar

Eu gosto muito de passar tempo na cozinha. Especialmente agora, que os dias estão muito frios e cinzentos e em que ora a chuva ora a neve não fazem ter vontade de sair. Tenho poucos livros de receitas porque a) os deixei em Portugal porque não eram bagagem indispensável ou b) porque procuro muitas receitas na internet de acordo com os ingredientes que tenho em casa.

Neste Natal recebi dois livros de cozinha mas hoje falo sobre este. É uma prenda de casamento que nos chegou atrasada mas que é certeira na sua utilidade e no seu significado: é mais uma maneira de matarmos as saudades de casa. É verdade que a primeira edição já data de 1972 ou 76 mas a nossa é de 2012, mantendo as fotografias originais e a recolha de Maria de Lurdes Modesto. As fotografias que ilustram cada região e algumas das receitas são deliciosas e são o símbolo de um país que há muito deixou de existir. Esta é a minha oportunidade de cozinhar os pratos que a minha mãe gostava que estivessem à nossa mesa. Ainda me rio quando me lembro dela a perguntar-me agora no Natal: "Tu cozinhas assim... como eu?". É claro que nunca fiz um cozido à portuguesa e ainda não fui capaz de me aventurar no feijão com couve mas vou tentando experimentar e elaborar mais na cozinha.

Ainda só experimentei um bolo de mel do Ribatejo mas estamos a pensar que os almoços de Sábado vão sair todos do livro daqui para a frente. Somo obrigados a procurar alguns ingredientes no supermercado português mas quando chegarmos ao fim há-de parecer-nos que estamos em casa. Mesmo sem o som de Campo de Ourique ou o cheiro da serra de São Mamede mas há-de haver um pedaço de Portugal no prato.

janeiro 04, 2013

Voltar a mexer

Eu não queria mas teve de ser. Correr antes ou depois do trabalho está fora de questão porque o frio é muito e a noite escura mas não podia esperar por dias mais compridos - o meu corpo estava a reclamar há muito tempo.

Acho que corri pela última vez em Setembro. Desde aí que não mexia uma palha a não ser que fosse estritamente necessário e já me envergonhava. Acho que já ultrapassei a fase de me importar com o que as outras pessoas pensam e fui-me acomodando às mudanças do meu corpo. Mas lá no fundo, comecei a sentir vergonha de mim mesma, uma espécie de desprezo por esta falta de actividade e daí foi um passo até ouvir o grito final: precisas de exercício! Eu não me orgulho do que vejo ao espelho. Sou uma pessoa realista e percebo que não estou ainda numa condição de risco mas sempre que olho para mim pergunto onde foi a pessoa de há quinze quilos atrás. Sim senhor, houve uma gravidez pelo meio e isso não devia ser desculpa mas só eu sei o quanto me demorou voltar a ser mais ou menos parecida com a pessoa que eu conhecia.

Eu odeio ginásios, assumo. Acho parvo correr numa passadeira, aborrece-me a música que toca em todo o lado (haverá algum ginásio indie por aí?), fico a pensar que toda a gente está a rir-se da maneira descoordenada como corro e a medir toda a banha que tenho a mais, detesto balneários e chuveiros partilhados, odeio a minha cara depois de algum exercício (pareço um tomate prestes as explodir!), não percebo aquela gente que vai lá para se estar constantemente a ver ao espelho. Mas dadas as circunstâncias, e visto que a vida ainda não me trouxe uma casa com uma divisão só para a ginástica que tanto precisamos, um ginásio é o único amigo do meu corpo até começar a Primavera. Tenho uma inscrição de quatro meses para ver se começo a pesar menos, dormir melhor e arejar a cabeça (que uma pessoa a correr tem muito tempo para ir pensando e fazendo to-do lists imaginárias). Serei a minha própria personal trainer e tentarei superar sempre aqueles limites que a cabeça nos vai impondo sobre o corpo. Se vai resultar, não sei. Mas nunca ninguém ficou pior por tentar.