outubro 27, 2012

Aprender a não ansiar


Há muito tempo que venho pensando nesta recente corrente de minimalismo que tem invadido outros blogs e tem conquistado mais e mais adeptos. Não consigo gostar de tudo o que é recomendado para se atingir essa forma mais pura e despojada de ser, às vezes chega-me a parecer radicalismo a mais. Continuo a gostar dum armário com muita roupa, de guardar revistas e outras inutilidades assim mas não posso ignorar que há coisas que fazem todo o sentido.

Um dos ensinamentos (chamemos-lhe assim) que mais me tocou no minimalismo é a ideia de que não temos tempo para fazer tudo nas nossas vidas e devemos por isso concentrar-nos no que é essencial e naquilo que nos dá verdadeiramente prazer. É verdade que nem sempre consigo aplicar isto à minha vida mas aos fins de semana lá vou conseguindo. Durante a semana concentramo-nos em fazer quase só o que é essencial e a falta de tempo leva a que estas horas de maior lazer sejam arrastadas para o fim de semana. Acho que é por isso que tenho escrito tão pouco: durante a semana estou ocupada com a rotina do trabalho, casa e do Vicente; nos fins de semanas, estamos a aproveitar o tempo em que podemos estar juntos e o tempo para aquilo que mais gostamos de fazer. Por isso tenho cozinhado muito nos fins de semana e gozado estes momentos como rituais mais ou menos sagrados, com um pouco de silêncio ou no meio da agitação da casa. Temos passeado, tratado de fazer com que esta casa seja mais a nossa casa, temos visto as séries que andávamos a perder há que séculos. Durante a semana o tempo falta-me mas tenho terminado os fins de semana tranquila, com a sensação que respirei fundo o suficiente para enfrentar uma semana nova, contente por ver tudo o que consegui em dois dias.

E depois, eu sei que me repito, há este Outono aqui. E tem sido como que revelações diárias as árvores a prepararem-se para o Inverno, o Sol que ainda foi aparecendo nos últimos dias, as chaminés fumegando, lembrando que agora as casas estão quentinhas. E eu faço um esforço diário para não me aborrecer com as esperas e as correrias e os autocarros que não chegam e a vontade louca de chegar a casa e ver os dias a passar à pressa. E eu não sei mas acho que o truque é aceitar o que nos vão dando, a vida e os outros e não esperar mais nada senão aquilo de que somos capazes. E deixar que as cores do Outono vão fazendo o resto, um dia de cada vez.

outubro 18, 2012

O Outono, a minha nova estação favorita


Já há três dias que, no final dum dia de trabalho, a metereologia me dá a alegria de umas abertas no regresso a casa. Este acontecimento, tão imperceptível talvez para outros olhos, opera em mim uma inegável mudança de humor e faz-me trocar o cansaço de um dia de trabalho por uma breve euforia de final de dia.

Sair do trabalho aqui é uma coisa poética para mim. Não basta a felicidade de me encontrar liberta destes deveres e ainda a máquina capitalista onde sou rodinha da engrenagem me larga em pleno campo. Não são só prados e floresta, na verdade. Antes de me poder esquecer de tudo ainda há obras em que só se fala português, edifícios por acabar, um stand de automóveis. Mas quando me liberto de tudo isto, aí sim, a alegria, quase uma comoção, toma conta de mim.

À minha frente, um prado a perder de vista com erva que me chega seguramente à cintura, verde a perder de vista. À minha esquerda uma criação de cavalos, anfitriã de concursos internacionais e tudo, numa casas de madeira gigante e com muitas janelas que captam o Sol nos melhores dias. À minha direita, um bosque frondoso ladeado por um caminho cujo nome nunca conseguirei pronuciar correctmente e onde alguns funcionários correm na hora de almoço. É pena circularem carros, caso contrário o silêncio seria pastoril.

A paragem de autocarro está invariavelmente deserta sempre que chego e aproveito para respirar fundo depois dum dia em frente às máquinas. Há uma alameda de árvores na sua continuação, plátanos talvez, que mudam explosivamente de cor nesta altura do ano. Nos bons dias, nas boas tardes com abertas, eapanto-me com o amarelo sobre o vermelho sobre o verde do prado e o azul tímido do céu. Quando não chove, tudo é inexplicavelmente perfeito e eu só desejava ter mais tempo livre apenas para olhar.

O caminho para casa é feito num autocarro quase vazio e onde, estranhamente, se ouve pouco português. Desfilam campos verdes pelas janelas, aparece a cidade do Luxemburgo ao longe e percebo mais uma vez como tudo é pequeno aqui. Passamos por vacas deitadas vagarosamente nos prados, à frente dos gigantes rolos de feno, cobertas às vezes pela neblina dos dias sem abertas.

Os aviões cruzam os céus baixinhos, dá vontade de acenar. E eu aceito que é nesta terra que vou vivendo, é nesta terra que tento, a custo, criar raízes e penso que, enquanto não me passar esta mania adolescente de ver poesia em tudo, nada está perdido. Esqueço o amanhã e o daqui a uns anos e abraço este momento aqui.

outubro 15, 2012

Entretanto voltámos à luta e se antes já era extraordinariamente difícil levantar-me da cama às seis e meia da manhã, agora é ainda mais duro : acrescente-se o facto de ser já noite cerrada (antes saía de casa pouco depois das sete e já se vislumbrava alguma luz do dia) e das temperaturas estarem perigosamente a descer em direcção ao zero e temos um cocktail explosivo. Concluímos, sem grande dificuldade, que voltar a correr antes do trabalho e nestas condições atmosféricas está quase posto de parte. Já andamos à procura de alternativas mas não está fácil considerar as soluções ao ar livre.
Quando chegámos, decidimos ir de táxi para casa. Ingenuamente, tratámos de tudo com o senhor em Francês, esmagámos bem as malas na bagageira e demos a nossa morada. Trocámos algumas impressões sobre a viagem e sobre o comportamento do bebé Vicente e o taxista calado. Alguns minutos depois, dirigiu-se a nós em Português. Não devia ter sido surpresa para nós (afinal o presidente da federação de taxistas aqui é português) mas ficámos apenas desconfiados : será que ele esperava ouvir algum comentário menos feliz da nossa parte ? Será que nos estava a pôr à prova ? Ficou-nos a pergunta na cabeça e um certo desconforto a que já nos devíamos ter habituado aqui, onde meio país é Português.
Uma das coisas boas do sítio onde trabalho é que há uma empresa que entrega almoços aqui no meio do campo. É um sistema espectacular e que devia existir em mais sítios (será que isto em Lisboa não pegava ?) : só aceitam em endereço de e-mail profissional, a morada de entrega é automaticamente atribuída e oferecem mais do que um tipo de pagamento, sendo que as facturas são enviadas de quinze em quinze dias.  Ao cliente pede-se apenas que faça o pedido antes das dez da manhã através do site da empresa, escolhendo entre sandes, saladas, pratos quentes e sobremesas – tudo por um preço competitivo.  Isto acabou-me com um problema  (cozinhar o meu almoço ao mesmo tempo que faço também o jantar) e deixa-me escolher o que mais me apetece na altura. Sinceramente, já me apeteceu iniciar um negócio destes porque é simples, não necessita de uma sede física (dispensando por isso muitos custos fixos) e não obriga a estar oito horas fechada num escritório. Enfim, continuemos a sonhar… E já agora a aproveitar as abertas que a vida (e o tempo) nos oferece.

outubro 11, 2012

Chegámos ao fim da canção...


Amanhã é o nosso último dia inteiro em Portugal. Digo isto enquanto suspiro profundamente e penso que ainda não me apetecia ir. Tenho saudades da nossa casa, das nossas coisas e rotina (apesar do frio e do cinzento dos dias) mas sinto que ainda podia ficar por aqui mais uns dias.

Levo comigo uma lista de desejos quase cumprida na totalidade: sobraram três que seguirão para uma próxima visita e que estão todos ao nível da restauração. Agradeço aos meus pais terem ficado com o bebé Vicente para que os pais tivessem uns dias de verdadeiras férias - eles adoraram e o Vicente aumentou exponencialmente o seu léxico português, ao mesmo tempo que espalhou cambalhotas em tudo o que foi cafés, parques e casas de família. Tivemos os três muitas saudades mas foi a coisa certa a fazer e ele não podia ter tido melhor companhia.

Pude ver quase todos os meus amigos e família mas ainda me faltou o tempo para outros. Desdobrei-me em visitas e jantares e cafés o mais que pude e sempre que as circunstâncias mo permitiram sem pregar partidas: encontrámos os Fixes para um banquete alentejano a terminar em guitarradas, os primos F. e S. receberam-nos com um petisco de chorar por mais e uma garrafa fresquinha de Lambrusco, os amigos S. e S. deram-nos de jantar no teu terraço maravilhoso com vista para o mar e a serra de Sintra, os amigos H. e H. encheram-nos três boas caixas de sushi depois de lancharmos no Adamastor, os nossos amigos J. e J. acolheram-nos numa noite quente com a melhor batata doce que conhecemos. Jantámos com muitos deles no Bairro Alto e foi muito bom falar com todos e deixar que todos se conhecessem também. Recebemos mais um mimo da M. para matar as saudades de Lisboa, despedimo-nos do H. que estará já hoje em Munique, bebemos um capilé em casa do Z. - ficou-me o coração apertado com tantos gestos de amizade, ficou-me a memória mais fresca com tanta recordação.

Vimos o mar, subimos a serra sem pressa, demorámo-nos na linha de Cascais. Corremos Lisboa de carro, a pé e de eléctrico, matámos saudades do rio e da Lapa, respirámos fundo no jardim da Estrela, visitámos os nossos vizinhos, curvámo-nos sob a basílica da Estrela. Miradouros vimos uns poucos, sempre de céu azul, sempre debaixo de um Verão que este ano nos tinha escapado. Fomos turistas na nossa cidade e fui-me lembrando vezes sem conta do bom que é viver ali.

Mas está a chegar a hora de regressar e as previsões não são animadoras: céu cinzento, chuva e mínimas de dois graus. É o preço a pagar, dirão muitos e pensamos nós. Isso e a distância tão intransponível a que nos encontramos de quem queremos bem. Foram dias tão bons e com tão pouco descanso que luto (na minha cabeça) pela ideia de que lá estamos melhor. Mas daqui a um dia e meia estaremos a embarcar para o Luxemburgo, de preferência com menos lágrimas do que na última vez. Quem me dera que pudesse estar (quando quisesse) em toda a parte.

outubro 07, 2012

Status update: o meio da viagem


As férias já vão a meio do caminho, o que significa que já consegui riscar muita coisa da minha lista. É espantoso que até hoje não tenhamos ainda tido um dia menos bom em termos meteorológicos e esta é uma das lembranças mais nítidas que levarei comigo e que farão o escuro do Inverno luxemburguês parecer ainda mais infindável. 

São os primeiros dias que passamos sem o Vicente depois de dois anos juntos e, se por um lado a lembrança dele nos ataca repentinamente, deixando uma vontade imensa de o apertar nos braços, por outro esta tranquilidade, esta falta de obrigações que nos permite fazer e manter planos simples tem sido uma espécie de bênção. É pena que não haja maneira de conseguir tudo isto simultaneamente e por isso é importante que desfrutemos de tudo a seu tempo.

Os amigos têm feito o favor de nos ver, de conversar como se nunca tivéssemos partido, de fazer-nos sentir como se fosse esta a nossa rotina: uma mini na esquina do Camões, um jantar longo e animado, umas morangoskas na Bica, um pé de dança no Incógnito e a vontade (de alguns!) de continuar noite fora. Estou a tentar não pensar demasiado nisto para não crescer em mim a sensação de que isto não se vai repetir tão cedo e serão longos os meses até que possamos ver toda a nossa gente outra vez. E por isso concentro-me apenas no bom que tem sido poder fazer todas as coisas de que sentíamos saudades.

E agora resta-nos atacar a semana que falta com a mesma vontade, fazendo pequenos planos, visitando a restante família e amigos, saboreando o Sol e os vinte e tal graus que São Pedro teve a amabilidade de nos oferecer. E esperar que a próxima vez não esteja longe demais...

outubro 03, 2012

Sobre partidas

Quando decidimos que íamos emigrar, demorámos um pouco a perceber a dimensão das coisas que teriam (obrigatoriamente) de mudar e a perceber exactamente aquilo em que nos estávamos a meter. Eu, uma orgulhosa de primeira, tinha metido na cabeça que não havia de pedir ajuda a ninguém. Afinal, tanto eu como o M. já tínhamos vivido noutros países e sobrevivido. Não conhecíamos ninguém no Luxemburgo, à excepção de um primo afastado que vivia lá há alguns anos e com quem eu não tenho nenhuma afinidade ou contacto. E ele, como é normal, estava demasiado concentrado na sua vida para poder sair do seu caminho e ajudar estas três alminhas prestes a partir. É normal: as pessoas constroem a sua rotina, estabelecem-se mais depressa ou mais devagar, criam círculos de amigos, arranjam empregos e não precisam de fazer tudo isso por outra pessoa.

À falta dessa ajuda, e como qualquer pessoa, fizemos tudo sozinhos. Arranjámos empregos, alugámos uma casa, conseguimos uma creche e construímos assim o início de uma vida. Felizmente, nunca passámos dificuldades: não nos faltou o que comer, telhado também sempre houve e tudo foi meio caminho para não perdermos a esperança e continuarmos a acreditar que o melhor estava ainda para vir. Nós não sabemos o que é deixar o país com uma mão na frente e outra atrás, sem dinheiro sequer para voltar a Portugal se tudo corresse mal. Nós não recorremos a nenhuma agência de emprego porque as nossas experiências e qualificações nos permitiam outras aventuras. Nós não fomos enganados por intermediários, não fomos levados em promessas, não nos vimos num cenário em que a única solução era voltar para trás. Nós saímos daqui empurrados pela crise e pelo desemprego mas não pelo desespero. E, além disso, um de nós tinha emprego lá.

Aconteceu que agora foi a nós que pediram ajuda. Só que nós dificilmente podemos ajudar. Não temos nenhuma experiência em trabalho temporário nem construção civil, não temos uma rede de contactos sólida. Só que é difícil explicar a alguém que fazem falta qualificações, faz falta formação e educação, fazem falta muitas línguas. Num país onde grande fatia da população é imigrante, os critérios de selecção das empresas são cada vez mais rígidos e mais exigentes e as cunhas dificilmente vingam. E então cabe-nos desta vez a difícil missão de, ao mesmo tempo que não acabamos com a réstia de esperança de alguém, não darmos a entender que ir é fácil. Como é que explicamos que há muitas histórias de miséria de quem se aventura assim sem parecermos insensíveis? Como é que contamos histórias de pessoas que vivem em carros sem dinheiro para voltar sem aumentarmos o terror de quem cá fica? Não gostaríamos nós de ser ajudados, de ser guiados por alguém que já conhecesse o caminho? Não teria tudo sido mais fácil?

Sofrer faz parte desta experiência de emigrar em condições adversas. Seja porque não se tem trabalho, seja porque é tão difícil encontrar casa, seja porque se deixa a família para trás - há muitas coisas que custam. E é tarefa (ingrata, é certo) do emigrante perceber até quando é que a dor e o sacrifício valem a pena. Para muitos, umas semanas difíceis são um sinal que devem voltar. Não há ninguém que nos possa dizer quando é que a dor é suficiente. E nós não podemos (felizmente) dar conselhos com base nessas dificuldades. Nem podemos dizer até quando vale a pena ter esperança. Às vezes, esta voz interior demora a chamar-nos de volta à realidade. Só esperamos que não seja tarde demais para quem não sabe o que fazer.

outubro 02, 2012

(uns minutos para respirar)

 

Já aterrámos há três dias mas pouco tempo livre tivemos. É bom, apesar de muito, muito cansativo.

A viagem de avião até aqui foi difícil. Aliás, todo o caminho desde que saímos de casa com as malas foi difícil. O bebé Vicente não quer estar preso pelos cintos de segurança do avião, pelo que não é difícil imaginar toda a berraria que houve naquele avião. Tentámos de tudo para o distrair e especialmente para o adormecer mas foi quase tudo em vão. A única coisa que resultou foi chamar-lhe a atenção na aterragem para as casinhas e os carros tão pequenos lá em baixo e assim conseguimos uns últimos dez minutos de sossego. As hospedeiras foram um amor e serviram-lhe o lanche primeiro e até lhe ofereceram lápis de cor e um livro para colorir mas ambas as coisas não tiveram muito sucesso.

Depois a viagem até casa... Meter uma criança cansada e com fome numa cadeira auto para mais umas três horas de viagem também não podia acabar muito bem. Só uma paragem para comermos qualquer coisa nos evitou a catástrofe total e deixou que ele adormecesse na recta final do caminho. Para quem, como nós, vinha ansiando por condições meteorológicas mais favoráveis, fazer uma viagem inteira a chover torrencialmente não foi agradável. Mas no final, o que interessava verdadeiramente era chegar a casa e isso aconteceu já perto da meia noite.

O dia seguinte era o dia de aniversário do Vicente, o que significou um acréscimo de visita e presentes e beijos e abraços que se pediam dele mas que ele dava a custo. Como passamos o nosso tempo quase a todos a três no Luxemburgo, a quantidade imensa de caras estranhas multiplicou-se nos primeiros dois dias, o que aumentou a irritabilidade do Vicente. A isso juntou-se o facto de ele ter saltado a sesta da tarde, os hábitos que agora tem de comer mal e o resultado não foi bonito: um menino exausto no final do dia, bem como os respectivos progenitores que também se desdobravam em atenções.

E a coisa começou a abrandar ontem. É claro que ainda há visitas para fazer mas agora já as podemos programar ao nosso ritmo e, na verdade, já cumprimos a maior parte das nossas obrigações sociais. Desde que chegámos que também temos tido a oportunidade de comer maravilhas da nossa terra e o ponto alto gastronómico até agora foi o jantar de ontem, em que nos podíamos ter ficado só pelas entradas maravilhosas e dispensado sopa, dois pratos e duas sobremesas. Não me lembro de melhor cansaço do que aquele que sentimos à mesa, depois de ver pratos e pratos a passar e de nos vermos obrigados a recusar as segundas doses sob pena de rebentarmos a qualquer momento.

E agora seguem as férias, entre família e uns dias em Lisboa. E eu agradeço a uma qualquer força superior que está a fazer os dias não voarem, deixando-nos tempo para fazer tudo o que esperávamos destes dias sem deixar nada para trás.