março 30, 2012

O nosso bairro!


Apesar de ser leiga no que a arquitectura diz respeito, adoro o bairro onde vivemos. Não fica exactamente na cidade do Luxemburgo mas fica a apenas cinco minutos de carro ou de transportes. Isto significa que por aqui conseguimos ouvir os pássaros durante todo o dia, ao mesmo tempo que avistamos o centro da cidade por entre outros telhados. Vivemos num terceiro andar que é uma espécie de sotão com um pé direito normal mas com a vantagem de termos imensa luminosidade e uma vista um pouco mais desafogada. Existe, claro, um senão: é um terceiro andar sem elevador mas até isso jogou a nosso favor e influenciou o preço da renda. Por isso, vivam os muitos lances de escada que subimos carregando com compras e bebé gordufo!


As casas são muito parecidas entre si. A principal diferença é que algumas são moradias unifamiliares e outras prédios como o nosso. Como já tinha visto na Holanda, por exemplo, há muito o hábito de não se terem cortinados nas janelas, mesmo ao nível do chão, o que eu adoro. As janelas estão cheias de flores, pedras, plantas exóticas, desenhos de crianças ou decorações festivas. Há escolas no final da rua, que dá para uma mercearia italiana e uma igreja muito moderna. Há parques infantis que são públicos e da escola simultaneamente, o que significa que também estão livres nos fins de semanas. Há um imenso campo verde cuja utilidade ainda não descobri de onde se avista grande parte do centro de negócios da cidade. Já sonhamos com duas bicicletas com uma cadeira para o Vicente porque é só o que apetece fazer no silêncio e planura destes fins de semana. Ainda não podemos avaliar esta mudança na sua totalidade e decidir se em todos os aspectos foi a melhor decisão mas podemos já sentir que ao nível da qualidade de vida foi sem dúvida uma aposta ganha.

março 29, 2012

Primeiras impressões III


Sabia que a presença portuguesa por terras luxemburguesas era notável mas não adivinhava que se fizesse notar desta maneira. A RTP Internacional faz parte dos canais básicos a que conseguimos aceder sem uma antena parabólica ou outro serviço de televisão. Aliás, as antenas parabólicas de alguns serviços portugueses espalham-se por esses quintais fora e mesmo nós trouxemos o equipamento todo pronto para montar. Às vezes, até fazemos apostas, tentando adivinhar se as pessoas com quem nos cruzamos são portuguesas ou não e enfim, não é difícil adivinhar - a verdade é que alguns estereótipos ainda subsistem. O máximo são os novos vizinhos das traseiras com as suas churrascadas de final de dia e miúdos sentados nos muros.

Ouve-se português em quase todo o lado, tal é a presença dos nossos conterrâneos. Uma funcionária do balcão de um banco português disse-nos mesmo que os portugueses constituem 35% da população activa do Luxemburgo, o que é um número impressionante. Os empregados do supermercado são portugueses, há instruções escritas em português em alguns serviços estatais, as associações portuguesas multiplicam-se Luxemburgo fora. É extremamente fácil encontrar produtos portugueses nos supermercados, o que me deixou espantada e, se bem que é óptimo matar saudades de algumas coisas, também se perder assim a oportunidade de experimentar mais.

Disse até aos meus pais que, não fosse a sua ausência (bem como a do resto da família e dos amigos), não conseguimos sentir falta de Portugal. É claro que isto não é nenhuma Lisboa, a estender-se sem pressa até  ao Tejo, nem nenhum Alentejo dourado de céus rasgados pelas asas brancas dos aviões mas às vezes, se fecharmos os olhos e ignorarmos a temperatura mais amena, parece que ainda não saímos de lá...

março 27, 2012

Primeiras impressões II


Este segundo volume das primeiras impressões não podia deixar de incluir o cliché da meteorologia! Quando cheguei, no Domingo passado, e pela primeira vez pisei solo luxemburguês, não fiquei muito feliz com a temperatura que se fazia sentir. É certo que não estamos a falar de graus negativos mas para quem vinha dos últimos 27/28º de Portugal era um bocadinho doloroso. Só que, surpresa das surpresas, desde que chegámos definitivamente que não sei o que é um dia cinzento ou um dia frio! Foi como se tivesse enfiado também a Primavera na mala e desde então temos muito Sol, uma temperatura agradável que já convida à manga curta e aos churrascos por esses quintais fora. Acho que foi muito boa ideia (ou coincidência, não sei bem) chegar só na Primavera e deixar o escuro do Inverno para trás!


Neste capítulo das primeiras impressões cabe também a alegria imensa de matar saudades de sabores que não podia encontrar em Portugal e de experimentar coisas novas todos os dias. Não só isto estimula a produção e o comércio local mas também nos ajuda a expandir horizontes. Sou uma parola sincera: quando vamos ao supermercado, a escolha é tanta e tão, mas tão diferente do que temos em Portugal que demoro provavelmente o dobro do tempo a fazer compras! Até os sabores dos iogurtes do Vicente é radicalmente diferente mas a minha descoberta preferida até agora é esta cervejinha de framboesa! Não é de fabrico local mas vem da Bélgica, que é já aqui ao lado, e é absolutamente divinal! Já pensamos em levar daqui vários franchises quando um dia voltarmos!

março 26, 2012

Primeiras impressões I

É certo que ainda não estou cá há uma semana completa mas os dias passados entre serviços públicos, supermercados e mais supermercados já deram para tirar algumas conclusões que, por requererem ainda mais tempo de observação, não são definitivas. A saber:
Aquela coisa de poder escolher o país onde se faz compras é mesmo, mesmo verdade! O Luxemburgo é tão pequeno que em apenas alguns minutos estamos na Bélgica, França ou Alemanha. E assim, depois de fazer bem as contas, é possível perceber se compensa ou não encher a despensa noutro supermercados fora daqui. Até agora já estreámos o IKEA de Arlon (Bélgica) para comprarmos algumas coisas que faltavam em casa e também já conhecemos e enfeirámos em Trier (Alemanha). A proximidade é incrível e cria esta sensação espantosa de estar tudo sempre ao nosso alcance. Além disso, facilita imenso as nossas escolhas turísticas, que vão andar nos primeiros tempos por estas zonas fronteiriças.
Já tivemos a oportunidade de nos inscrevermos na comuna onde vivemos, de ir tratar de papelada à direcção das contribuições local e ao gabinete de apoio à família. Não conseguimos efectivamente despachar tudo porque nos faltaram alguns documentos mas retive pelo menos duas coisas: o tempo de espera nestes sítios é absurdamente baixo, pelo menos para quem vem de Portugal, sendo que nunca esperámos mais do que uns cinco minutos para sermos atendidos; aqui, até o estado tem sentido de humor e passa episódios do Mr. Bean. Uma pessoa até se esquece da burocracia e dos impressos e das actas e das declarações.

março 23, 2012

2000 km depois

Já chegámos, minha gente! Aliás, já cá estamos desde Quarta mas esta vida dura de emigrante ainda não nos tinha deixado estes minutos para escrever um par de linhas. Hoje consegui finalmente sentar-me um pouco no sofá mas sei que não vai ser por muito tempo ou então vou precisar de palitos nos olhos!

Fiz a viagem inicial no Sábado. Peguei na carrinha cheia até ao tecto (e extremamente mal arrumada, ou não fossem duas mulheres responsáveis pela tarefa!), apanhei um grande amigo (e francamente, a melhor companhia de viagem que podia imaginar) pela fresquinha e fizemo-nos à estrada. A ideia era trocarmos de lugar com frequência para evitarmos o cansaço de conduzir muitas horas seguidas, o que acabou por acontecer com regularidade e o que tornou a viagem numa experiência quase agradável. Digo quase porque sempre conduzimos vinte horas em dois dias, o que, juntando às horas madrugadoras a que iniciámos cada dia, ajudou a fazer crescer o cansaço. O primeiro dia de viagem correu excepcionalmente bem e conseguimos descansar em Bordéus, onde pensávamos não conseguir chegar em tão pouco tempo. De resto, andou-se sempre bem, muita auto-estrada grátis, muita estrada nacional boa até ao momento de cruzarmos a placa do Luxemburgo.

Fizemos a viagem com a ajuda de algum GPS mas essencialmente confiando num bom e velho mapa (de França, datado de 1978!) e também nas indicações que fomos encontrando caminho fora. Basta que se tenha noção dos pontos chave da viagem e o caminho torna-se bem mais fácil, podendo mesmo dispensar o GPS. Basta o exercício simples "Como viajávamos antes sem GPS?" e depressa se compreende o que devemos fazer. Dada a natureza da viagem, não tivemos oportunidade de parar em nenhuma cidade, vila ou aldeia e por isso conhecemos apenas estações de serviço. Fomos absorvendo a paisagem no correr dos quilómetros, fomos contando camiões portugueses, desesperando por cafés à beira da estrada e conversando muito sobre tudo. Falámos dos planos para o futuro, tivemos pena do destino de Portugal, partilhámos muita coisa. Por isso, e para esta road trip ser perfeita, só faltou um bocadinho mais de tempo para nos entretermos aqui e ali mas simultaneamente a vontade de chegar e abraçar era tanta que isto não podia ser doutra maneira. 2000 km depois, uma pessoa deve reconhecer que tem grandes amigos - não só os companheiros de viagem mas todos aqueles que nos ajudaram a chegar aqui e especialmente aqueles que nos têm no coração, nunca se esquecendo que estamos aqui. E garanto que essa ajuda é preciosa - recomeçar fica um bocadinho mais fácil.

março 13, 2012

Diário de uma futura emigrante: uma barreira para trás, milhares de outras por vir

Chegou finalmente o dia: temos uma casa a que chamar nossa. Sou obrigada a acreditar, uma vez mais, que a sorte protege os audazes porque não só conseguimos uma casa, como conseguimos a mais barata que tínhamos visto e a que melhor nos convinha. Não o conseguimos pela nossa perseverança mas antes por um conjunto de circunstâncias que jogou a nosso favor (se calhar devíamos só agradecer não termos ficado com a primeira que nos apareceu à frente, o que acabou por nos trazer até aqui).

Conseguir uma casa no Luxemburgo, mesmo quando um dos membros do casal tem um contrato de trabalho válido, revelou-se quase um pesadelo. Querendo salvaguardar-se de fraudes ou faltas de pagamento, os senhorios pedem referências impossíveis, cauções difíceis de pagar (especialmente para alguém que vem de um país como o nosso em que os ordenados são quase ridiculamente baixos) e impõem condições à sua vontade. Tenho lido muitas histórias de emigrantes que arriscam a viagem até ao Luxemburgo apenas com 20€ no bolso e acabam na miséria e, sinceramente, não me custa a crer. Arrepio-me com cada história de pobreza e preocupo-me com o nosso futuro mas a verdade é que a nossa mudança foi um pouco mais pensada e com planos debatidos até à exaustão. Se vamos viver folgados? Nem pensar, não nestes primeiros tempos mas sabemos que teremos o suficiente para nos deixar continuar a lutar.

Esta nossa busca serviu também outro feliz propósito: acabámos por conseguir contactos de boa gente que já faz a sua vida por lá há uns anos e que nos ofereceram a sua disponibilidade, a sua hospitalidade porque muito mais não podem fazer por nós. Será difícil agradecer esta espécie de corrente de contactos e solidariedade que nos fez sentir mais amparado e já parte de uma comunidade. Este era o desafio que tínhamos à nossa frente agora. Outros se seguem e, desde logo, o emprego para esta que vos escreve. Mas os tempos ensinaram-me a não sofrer por antecipação (o que não quer dizer que o consiga sempre...) e agora seguem-se dias agitados, conferindo a lista de coisas a fazer antes da viagem, segue-se uma viagem de dois mil quilómetros para recordar e o melhor reencontro possível. Oxalá não perca toda esta pedalada e optimismo!

março 05, 2012

M. na cozinha: um doce até já!

Eu sempre disse que não tenho muito jeito para trabalhos manuais e ainda menos para tarefas minuciosas mas até gosto de cozinhar. Como não me queria afundar em palavras mas queria despedir-me dos colegas de trabalho com alguma coisa especial, resolvi atirar-me a uns cupcakes (adaptei a receita daqui e inventei a cobertura com os ingredientes que tinha à mão em casa!) que, modéstia à parte, me saíram bastante bem (OK, não de aspecto mas de sabor)! O toque mais personalizado veio com umas mensagens género fortune cookie que resolvi adicionar a cada um. Como já começo a pensar em planos B para a minha vida profissional futura, porque não um negócio de sobremesas personalizáveis? Eu já não digo nunca...

março 03, 2012

Voltar a casa (muitos anos depois)

A minha casa voltou a ser a casa dos meus pais. Neste momento em que as nossas vidas estão (mal) arrumadas em gigantes sacos de roupa e caixas envoltas em fita adesiva, voltei a casa. Desta vez trago mais alguém, um pequeno pirata que não quero mais longe de mim, embora me tire do sério várias vezes ao dia com a sua teimosia e tendência para fazer o que não deve.

Agora divido o quarto com ele, o mesmo sítio onde dei concertos para plateias imaginárias, onde sonhei acordada tantos dias a fio, onde sufoquei nos anos de maior calor e onde teclei tantas vezes noite fora, tentando não acordar os meus pais. Acabou-se esta parte da minha privacidade mas, em contrapartida, ganhei o gosto por uma respiração tranquila e um sono profundo. Por quanto tempo não sei - acho que enquanto as burocracias e os ordenados e as identificações nos impeçam de voltar a ser uma família como deve ser.

Ainda continuo a ter responsabilidades, ainda que atenuadas pelo facto de agora ter um pequeno tirano a meu cargo. Ainda se espera que eu cumpra deveres, continuamos a ter horas para as refeições e ainda continuo a ter mimos como se nunca tivesse passado dos doze anos. A grande diferença é que estes mimos agora se multiplicaram para chegar também para o meu filho que cresce entre as máquinas na cozinha e os sofás na sala. Posso ver as minhas avós todos os dias e fazer compras no supermercado do bairro, embora eu já não esteja habituada à falta de variedade de produtos e à ausência de filas para pagar.

É muito bom passar este período transitório no mesmo sítio onde cresci: estar sozinha com o Vicente noutra cidade, sem ajuda nem companhia tornaria este limbo em algo ainda mais doloroso. Mas aqui a conversa é outra e eu consigo mesmo ter uma tarde para ver um filme, com a certeza de que há sempre alguém a olhar por ele. Só não gosto desta ligeira sensação de falhanço: gostava de poder avançar sem poder tornar-me num fardo durante um período de tempo indeterminado. Só que eu sei que nos querem aqui e enfim, o tempo se encarregará de resolver as coisas. É só pena já não poder acordar ao meio dia...