julho 23, 2011

Memories ( naquela versão cantada pela Barbara Streisand!)

O cenário é este: estou sentada à porta do gabinete da médica que ajudou o Vicente a nascer para uma consulta de rotina. Este piso do hospital chama-se Centro da Mulher e está, por isso, cheio de mulheres jovens ( na sua maior parte) grávidas ou acabadas de parir. As memórias na minha cabeça estão em polvorosa, como se estivesse a reviver este mês no ano passado outra vez, com a diferença de que não tenho um bebé para carregar.

À mínima visão de um recém nascido quase preciso de me agarrar à cadeira para não chorar. É um misto de comoção com a inveja de saber que o bebé Vicente nunca mais será assim. É como se quisesse reviver estes momentos pré-parto ad nauseam e voltar ao momento em que vejo o meu filho pela primeira vez. Tenho uma vontade quase irracional de perpetuar estes primeiros meses e poder ter um bebé durante anos a fio e, ao mesmo tempo, o desejo natural de mãe de ver o seu filho a crescer, a desenvolver habilidades e fazer gracinhas. Mas é difícil resistir aos carrinhos de bebé e ao choro dos recém nascidos nos gabinetes médicos e à forma tão particular com as mães olham para as barrigas proeminentes.

Assim que entro na consulta, a médica pergunta-me (em tom de brincadeira) quando é que penso dar um irmão ao Vicente e eu rio-me com a pressa dessa ideia mas afinal é um riso nervoso de quem gostava de voltar a passar por isto tudo outra vez. E ao telefone conto a brincadeira e ainda há quem pense que arriscaria ter outro filho agora. Não é por falta de vontade: é por falta de metros quadrados em casa e de segundas prestações de creches e por aí fora. Gostava de ter vivido no tempo das nossas avós, em que se tinha aos doze ou catorze filhos porque era suposto ser assim e porque todos os filhos se criam. Mas não, logo calhei a nascer numa época em que se pensa demais, em que se está em crise e há tanta coisa que interfere no nosso bem estar, quanto mais no de uma criança.

Depois de alguns segundos no mundo dos vários filhos, regresso à terra com a doutora a dizer que sim, que está tudo bem, recuperei perfeitamente mas ainda é cedo. Aproveito o gabinete para saltar para cima da balança pela primeira vez em muitos, muitos meses e a sensação é agridoce: foi melhor do que eu pensava mas ainda francamente mau. Saio de lá com vontade de ter preenchido o boletim de grávida ou de me sentar outra vez no gabinete do CTG mas afinal só me falta pagar. Às vezes penso que tenho mesmo mesmo mesmo de mudar de vida mas ainda não consegui engendrar uma alternativa a ser mãe só de um Vicente. E saio do hospital a sonhar um dia fazer colecção de bonitas ecografias.

julho 21, 2011

Crónica de uma morte anunciada

Hoje, os 195 trabalhadores que ainda restavam na minha antiga empresa foram despedidos. Foram todos despedidos, num processo que já se arrastava há muito. Primeiro acabaram com o departamento onde eu trabalhava, depois as coisas foram sendo desmanteladas aos poucos, a empresa vendida a um grupo indiano e toda a gente a imaginar qual seria o seu destino. É verdade que muitos já sabiam que seria este o destino - arriscava a dizer que todos os sabiam, apenas faltando saber quando. Foram obrigados a passar por um ano de extrema dificuldade, a verem as suas tarefas a serem progressivamente transferidas para outro lugares, a serem constantemente monitorizados, a serem asfixiados pelos recém-chegados que iam tomando conta da empresa. E, ao mesmo tempo que se iludiam as pessoas com falsas esperanças de melhoria, de maior eficiência dos processos, havia já alguém a arquitectar este final.

Talvez noutra dimensão e noutra conjuntura, eu passei pelo mesmo. E por isso, quando hoje recebi a notícia, foi como se estivesse a atravessar aquele período todo outra vez. Conhecia grande parte daquelas 195 caras, ainda que muitas apenas de nos cruzarmos no elevador mas afinal ainda foram quatro anos a convivermos naquele prédio que daqui a uns tempos estará vazio. Esta foi a primeira imagem que me veio à cabeça: aquele prédio vazio, os open spaces mergulhados no mais profundo silêncio, apenas contendo as memórias do que um dia já foi. E pensei nas pessoas, nos casais que ali trabalham e agora se vêem a braços com dois desempregos duma assentada, nas pessoas que em Julho passado deixei para trás e fiquei triste. Também eu me fiz à vida e tenho a certeza que haverá quem desde logo arregace as mangas e se faça à vida mas não vai ser fácil para todos. São 195 pessoas à procura de um lugar num dos períodos mais difíceis que vivemos, é a verdade.

E depois dói esta consequência da modernidade: todos somos substituíveis, todos. Acabou aquela ideia de que alguém pode ser a pessoa ideal para uma posição: saem uns, entram outros - no big deal. Não há efectividade que nos valha porque quando tem que ser vão efectivos e temporários todos para o olho da rua - só variam as regalias de uns e outros. As empresas há muito que deixaram de procurar equipas sólidas, com pessoal dedicado e especializado no que faz para passarem a procurar apenas os recursos mais baratos que aliviem as suas estruturas de custos. É apenas e só isso que conta: poupar todos os cêntimos possíveis. E eu não gostava de ter o mesmo emprego para toda a vida mas gostava que nos tratassem como pessoas e que pudessem apostar na formação e especialização e que tentassem recompensar o esforço e a dedicação. Mas parece que isso hoje está fora de moda e eu, como todos os outros, devo aceitar que a vida é assim.

Por todas as razões e mais algumas, os meus pensamentos estão hoje com estas 195 pessoas. Por ter sentido na pele a frieza dos números (sobre uma gravidez de sete meses na altura), gostava de poder ajudar todos os que quiserem uma mãozinha. Hoje, agradeço ter saído já há um ano: a porta que me fecharam ajudou-me a ter tempo para o meu filho e a refazer a minha vida. Vou esperar que o destino seja tão benevolente com eles como foi comigo. (Força!)

julho 14, 2011

Onde está a M. de há uns sete anos atrás?

Com a chegada da época balnear e de festivais, deu comigo a pensar onde terá ficado a pessoa que, há uns anos atrás, já saltava de contentamento com os festivais de Verão. Por esta altura, há alguns anos atrás, eu já fazia listas com o material que devia levar, os planos para a viagem. Veio-me à cabeça a primeira viagem, feita ainda de lágrima ao canto do olho porque eu e o meu pai nem sempre concordávamos sobre questões financeiras e de horários. Depois, chegados à Zambujeira no autocarro, ainda tivemos que fazer o caminho até ao recinto (e ainda são alguns quilómetros) a pé, carregando o material às costas, debaixo do sobejamente conhecido calor alentejano.

Não é que tenha saudades mas também pensei nas alturas em que tudo o que comia era enlatado (cavala, atum e grão era os nossos melhores amigos!), em que o que importava era uma rede para proteger a nossa aldeia do Sol e que saíamos da tenda logo às primeiras horas da manhã por causa do calor. Também recordo os banhos tomados à gato debaixo da água gelada que vinha do canal, as minis nas tascas à beira da estrada algures entre a Zambujeira e Malavado, as sopas miraculosas em São Teotónio. E também o dia em que voltava a casa e a minha mãe não me deixava sequer tocar no sofá, tal era a sujidade que trazia comigo.

Depois, passou à fase dos festivais mais urbanos e mesmo em Paredes de Coura a estadia já não foi feita numa tenda mas num turismo rural e puff!, lá se foi metade da magia do festival. Mas foi uma escolha nossa porque já não tínhamos vontade da precariedade dos acampamentos. Depois vieram os festivais em Lisboa e ainda uma edição muito especial do Hype no Meco (chorando enquanto o fogo de artifício coloria o céu atrás da Bjork) mas já com alojamento garantido.

E chegamos aos dias de hoje. Festivais de três dias já não são fáceis de aguentar: há um cocktail explosivo de horas de trabalho, falta de sono e um filho para cuidar que não me deixa arrastar o esqueleto pela poeira dos recintos. Mas eu lá arranjo espaço para encaixar uns concertos (a madrinha do Vicente lá nos ajuda com o babysitting ♥) e amanhã vou (espero eu…) conseguir aguentar um dia de festival depois dum dia inteiro de trabalho. Odeio a ideia de estar a perder a vontade e a perseverança e de preferir uma cama verdadeira a uma esteira no chão. Eu gosto é da música e aquele folclore todo à volta dos festivais (as montanhas de publicidade, os patrocínios, o merchandising, as atracções de feira popular, as cadeias de fast-food) dão-me uma espécie de náusea. Não digo que não volte a um festival como deve ser: de mochilas às costas, preparada para sofrer as alegrias que a música nos pode dar. Até lá, vou fazer uma espécie de part-time dos festivais e rezar para não cair para o lado depois das nove da noite. Agora, é apenas nisto que penso.


julho 03, 2011

God, I miss the 90's!





Não é exactamente ter saudades da música (porque música boa e cheia de significado ainda se faz por todo o lado e à moda antiga até). Eu perdi a conta aos cd's que comprei durante os primeiros anos de faculdade (esticando a semanada até ao limite para depois me enfiar na Virgin-hoje-Loja-do-Cidadão e depois na Carbono), depois aos primeiros cd's gravados, sem capa nem nada, só o nome escrito a marcador, tantas sugestões novas do colega que gravava os cd's) e depois a era do mIRC com tantos canais de música, onde se discutia religiosamente sobre capas, letras, mensagens, sobre aquela nuvem de poeira que vem necessariamente com cada canção.

Não, ainda hoje gosto tanto de música e de ouvir coisas novas e de experimentar cd's só com base na capa ou num comentário lido por aí. Mas, mesmo no final dos anos 90's era tudo tão diferente: eu via as mesmas VHS cheias de telediscos (estavam gastas, as minhas cassetes), tinha compilações gravadas em cassetes de 90 minutos (uma para cada estado de alma), comprar um cd ainda era algo mágico. Não me esqueço do Vitalogy comprado na Flock (ainda há pessoas de Portalegre que se lembrem desta loja?) para o Natal, devidamente embrulhado sem nunca sequer ter tocado na minha aparelhagem. E eu, nas férias, a desembrulhá-lo secretamente para matar a curiosidade e ouvir a minha banda preferida. Tenho saudades de imprimir páginas e páginas com letras de música só porque achava que algum dia ia conseguir decorar aquilo tudo.

Era nas canções que eu ouvia que ia buscar as palavras que nunca me chegaram só na poesia. Tanto, tanto desgosto de amor musicado por tanta gente por esse mundo fora e as palavras assentavam-me que nem uma luva. Tantos amores a florescer ao som duma canção, tantas fases da vida marcadas por uma estrofe. Tenho saudades dos anos em que a música eram as edições especiais, as capas com as letras, os cd's mais antigos em promoção, as nossas compilações feitas exactamente à medida. Tenho saudades e sinto-me velha e, de certa forma, traidora: à falta de capital para comprar os originais todos, também eu me rendi à internet e ajudei a acabar com este mesmo fascínio. E regresso sempre à música online, sem uma aparelhagem que leia o meu arquivo musical, condenada às recordações digitais duma era em que aquilo era tudo para mim.

julho 01, 2011

Ser pai (nove meses depois)

Como é óbvio, eu sei perfeitamente o que sente uma mãe durante todas as fases que atravessa desde o dia em que sabe que está grávida. Só não fui como aquelas mulheres que sabem que vão ter um filho muito antes do primeiro teste o confirmar: talvez o meu instinto não tenha funcionado plenamente nessa altura, confundindo muitos sinais. Mas o que realmente me deixa curiosa é essa sensação de ser pai.

Como já o disse muitas vezes, tive a sorte de escolher para o meu filho o pai que eu considero ideal e por isso sempre me senti acompanhada desde o primeiro instante em que descobri que tinha uma sementinha de vida dentro de mim. E, apesar de fazermos um esforço para materializarmos as nossas frustrações, medos e dificuldades, a verdade é que não sei exactamente o que sente um pai quando pega no seu filho.

O amor de mãe tem necessariamente um fortíssimo background físico: afinal, foi o nosso corpo que carregou um bebé durante nove meses. O choro do bebé desperta em nós os instintos maternais, a sua imagem apenas conseguia estimular a produção de leite durante a amamentação. Mas e o pai? Estas ligações estão-lhe vedadas pela biologia. É certo que foi ele o primeiro a pegar no bebé Vicente e é verdade que, depois de voltarmos a casa, todas as tarefas relacionadas com o bebé (alimentação, banho, fraldas…) lhe saíam mais naturalmente a ele do que a mim. Muitos pais se sentem afastados das suas mulheres ou namoradas depois do nascimento dos filhos porque passam necessariamente para segundo plano durante uns tempos.

Escrevo sobre a paternidade depois de ler este post (num blog que passei entretanto a adorar). Fiquei quase emocionada com a forma como ele descreve as suas impressões sobre a paternidade: o facto de não se ter sentido logo tão próximo do filho quanto gostaria, os estados de alma quase bipolares da mulher, o medo de que ela passasse instantaneamente a gostar mais do bebé e a evolução que podemos ler nas entrelinhas – ele deixou de ser apenas um homem e passou a ser também um Pai.

Às pessoas que me perguntam se partilho com o pai do Vicente as tarefas quotidianas relacionadas com o bebé Vicente, eu respondo com alguma admiração porque as dividimos com o maior gosto. Parece que esta participação do homem nos primeiros meses do bebé é ainda um tabu para muitas pessoas, que julgam que cabe à mãe a maior fatia das responsabilidades. Fala-se sempre tanto nos sentimentos das mulheres, no instinto maternal, nas maravilhas da maternidade mas às vezes os pais são ignorados no meio deste tornado chamado Filhos. E as pessoas esquecem-se que, apesar de não terem dado à luz nem terem sentido uma pulguinha a crescer dentro de si, os pais também têm sonhos e planos para os seus filhos e têm, acima de tudo, vontade de participar. E por isso as fronteiras entre Pai e Mãe estão hoje cada vez mais diluídas. Os nossos filhos ficam a ganhar com estas mudanças e, se calhar, estamos a criar futuros adultos com maior consciência e a lançarmos possíveis sementes de civismo. Pelo menos, assim esperamos…