janeiro 31, 2009

A pedido

Duas moças (a A.M. e a TT) desafiaram-me a falar sobre cinco das minhas manias.

1. Os meus textos são todos justificados. Odeio o alinhamento à esquerda e o alinhamento ao centro só serve para legendas.
2. Gosto das batatas fritas sem bicos nas pontas. Sempre que como fast food, perco tempo a procurar as batatas cujas pontas são quadradas.
3. Acho sempre que amanhã é que as pessoas vão mudar. Acho que enlouquecia se não tivesse alguma réstia de fé na espécie humana. Mesmo enganando-me todos os dias.
4. Acho que sei beijar bem.
5. Suporto pouca desarrumação. Inconscientemente, estabeleci um limite interior de deixa-andar. Quando chego a esse limite (que é pouco, garanto), levanto-me a correr e esfrego, varro, aspiro e estendo.

Os próximos manientos podem ser o Cosmonauta, o Pedro, a Curse of Millhaven e o Crama. Desembuchem lá as manias, poupando-nos aos pormenores sórdidos.
Talvez fosse do frio ou da viagem que se estendeu até às dez da noite. Foi nem mastigar o bife como deve ser, nem perder tempo a procurar os cogumelos. Quando saí de casa, era tarde para os meus padrões e estava frio e ameaçava começar a chover a qualquer momento. Só precisei de uma volta com o carro para o conseguir estacionar e sair à pressa para um café. Depois, foi ver os AbztraQt Sir Q no sítio do costume mas não conseguir assimilar aquilo tudo. Descer as ruas desertas foi um regresso ao passado, uma nostalgia agridoce que me obrigou a parar em frente ao fotógrafo mais uma vez e ver quem mais se tinha casado. E se a noite não tinha corrido propriamente às mil maravilhas, terminar tentando explicar a alguém qual é a minha tolerância ao excesso de proximidade, demonstrar-lhe que não gosto que me toquem só porque sim não foi o fim mais brilhante.

Saber quando nos devemos retirar é um dom.

janeiro 29, 2009

Hoje, talvez pela primeira vez, sonhei com ele. Estava deitado numa praia, rosto muito queimado pelo Sol e cabelo estranhamente comprido, ignorando voluntariamente a minha presença ali. Muitos dias me perguntei o que me falta ou que terei feito errado. Hoje, enquanto tomava banho, senti-me definitivamente só.

janeiro 28, 2009

Alguém me acabe com este Inverno, se faz favor.

Os dias são passados no piso -1, longe de qualquer visão do mundo exterior. Enquanto cá fora se instala a neblina, eu divido-me entre louvores merecidos, explicações atabalhoadas sobre coisas que ninguém entende, alertas para a precária situação mundial e conversas com alguém que se senta algures no Norte da Alemanha. Quando volto à superfície, i.e. o sexto piso, não sei se ainda é dia ou se o Inverno simplesmente se recusa a dar tréguas. Com trabalho para fazer em casa todos os dias até à próxima semana, resta-me pouco tempo para ser livre e ocupar o que resta do meu cérebro com as coisas boas da vida. Agora que tenho uma espécie de uma aberta, vou (re)viciar-me nisto. E lembrar-me que, se há coisas de que gosto, é de olhos castanhos, camisas rasgadas e uma paixão que subsiste, mesmo no meio do mar.


(voltam os sonhos estranhos, os lugares que conheço mas de onde não consigo sair, os momentos da madrugada em que me lembro do que devo fazer de manhã. e volto a caminhar meio apática, ainda a temperatura não ultrapassou as duas casas decimais, apenas salva pela música dos Dead Combo, que é a mesma coisa que dizer salva por Lisboa. dentro da carruagem do metro, encosto-me sempre à mesma porta, a que já ouso chamar minha, como se de um pedaço de território se tratasse. são duas estações de metro, um caminho curto e desinteressante, só suportável com os ecrans onde vejo as pessoas que entram enquanto as portas fecham. à dificuldade extrema em manter os olhos abertos, juntam-se as carrancas de quem já anda nisto há anos e de quem se esqueceu do chapéu e de quem não suporta o calor das luvas. se apenas os olhos castanhos me salvassem, se encontrasse a paz onde procuro redimir-me, o sono voltaria a beijar-me)

janeiro 27, 2009

Ficção #12

Como se não bastasse o cheiro a caril que partia da praça e se esgueirava entre as ruelas que dela partiam e conduziam os turistas às ruas apinhadas de gente, como se não bastassem os ciganos sujos e de pele curtida por sóis antigos, que agitavam braçadas de óculos roubados e malas de pele falsa em pura competição com os paquistaneses que passeavam as suas coroas ofuscantes pela cidade fora, como se não bastassem os indigentes que se sentavam pelos bancos, que se espojavam pelo chão, que ocupavam a escadaria que escorregava da igreja, bradindo flautas e marimbas a mulheres que cheiravam a lixívia e a homens cansados da estiva, como se não bastasse o nevoeiro nervoso que por vezes baixava lentamente até ao nível dos tornozelos, como se não bastasse a visão das janelas do salão de baile decadente onde velhas e velhos tentavam acertar passo ao som de um tango que podia sair de uma grafonola não fosse este o ano dois mil, como se a fome não fizesse já doer o estômago sem precisar do cheiro irresistível que transborda de um cone feito de páginas amarelas cheio de castanhas, a rebentar pelas costuras - sentia-se deprimida e não conseguia descortinar a razão.

janeiro 25, 2009

Liberalitas Julia

as seen here

Tenho saudades dos tempos em que chegava a Évora com o coração perto da garganta, sonhando com a possibilidade de o conseguir encontrar. Quando passava a fábrica dos Leões, logo à entrada, subia-me uma esperança à boca, quase a conseguia dizer mas era uma esperança que eu mesma inventava e que sabia como iria, naturalmente, falhar.

E, anos depois, a minha médica pedia-me que visualizasse um sítio onde me sentisse calma, um sítio seguro e sem agitação e eu pensava imediatamente nas escadas da Sé. Seria uma tarde de Verão, o céu era azul alentejano, os turistas paravam afogueados a tirar fotografias à igreja e só uma brisa agitava suavemente as folhas dos plátanos sobre a minha cabeça. Numa das esquinas do largo, aparecia ele, cabelo em desalinho e calções a escorregarem pelas pernas magras e tudo se encaixava de repente.

Há qualquer coisa de romântico em Évora. Não no sentido tradicional da palavra, não são ramos de rosas vermelhas nem passeios em finais de tardes de Verão. Não se tratam de miradouros sobre as planícies que se estendem para Sul e fazem lembrar o mar nem de noites passadas sentados no que resta do templo de Diana e muito menos um encontro a meio da noite em plena praça do Giraldo. É antes uma promessa nunca cumprida, a vontade de andar por aquelas ruas em dias de calor, sonhando com a cara que podemos encontrar ao virar da esquina. É uma noite em que falamos longamente ao telefone, eu que não odeio nada com tanta força e tu, a metros de onde me encontrava, a explicares o inexplicável.

What happens in Évora, stays in Évora, poderia eu dizer. Lembro-me da festa que fizemos naquela mini rotunda, do segurança do hospital que acordávamos à volta para casa, as flores que colhemos e as placas que levámos conosco, as batatas no forno às quatro da manhã. Entre os corredores da Harmonia e os recuperados Celeiros, bebendo shakers no Jonas ou bagaços no Manel dos Potes, misturando-nos com a trupe universitária no bar UE e acabando de manhã no mercado. Há qualquer coisa que me liga àquela cidade, que me atrai e lhe dá um encanto especial, talvez as recordações que se vão já empilhando. E por isso continuo sentir emoção à chegada e um tímido nó da garganta quando, já a caminho, olho para trás e vejo como a cidade se desenha contra um carregado céu cinzento.

janeiro 24, 2009

É a testosterona, estúpido!

Se alguém não se lembra do que significa o rock'n'roll, devia ter estado ontem em mais uma noite da Quina das Beatas. Os Bunnyranch vieram pela quarta vez dar um ar da sua graça e do seu suor, matar saudades do Dallas e do Alibabá. O público estava morno, só os pés marcavam o ritmo no chão, as ancas abanavam tímidas, talvez fosse o frio. Havia sósias de muita gente em palco, dizia-se entre a assistência que estava ali uma encarnação de um Dylan nos seus anos mais jovens, sentindo profundamente o baixo endiabrado. É impossível resistir ao charme, à camisa aberta e o casaco de abas largas, à pose provocadora de todos. Numa noite em que se falou tanto de hormonas, os Bunnyranch mostraram-se um concentrado de sexo e vontade de transgredir.

janeiro 22, 2009

Estado em que se encontra este blog

Numa espécie de limbo, de contornos esbatidos pelo cansaço e pela chuva. Absorto em avaliações de vinte e oito pessoas, incapaz de se alegrar com viagens de trabalho, com o dobro da cabeleira por causa desta odiosa humidade. A precisar da corrida que o mau tempo lhe tem estado a negar, planeando matar as saudades do templo de Diana, ignorando recorrentemente outras saudades. A acordar ainda é noite escura, recebendo encomendas do estrangeiro, ansioso com os prazos de testes daquela que poderá ser a primeira resolução de Ano Novo cumprida - o novo emprego. Cheio de sonhos estranhos em que nunca consigo chegar a lado nenhum, ando ando ando e há sempre qualquer coisa a prender-me, a atrasar-me, há sangue e há paredes que eu galgo como se ágil fosse o meu segundo nome. Visto por um otorrinolaringologista antigo e cavalheiro, confuso com os sinais e com uma ferida no coração a sarar baixinho. E devagar.

janeiro 21, 2009

Sobre coisas que me andam a perturbar



Disse-lhe que tinha sido uma espécie de revelação e foi exactamente assim que aconteceu. Foi uma epifania ainda sentada no sofá vermelho, depois de me mostrarem finalmente o que andava a perder. Pelo nome, pensava que ia ouvir uma coisa experimental, música arrojada e difícil de perceber. E não é que lhe falte verve, mas isto é tão bonito, soam caixas de música e aqueles brinquedos que se usa para adormecer os bebés, ouvem-se máquinas fotográficas e a voz é tão segura de si e quente, que me senti quase fragilizada. E num momento ouço a coisa mais triste dos últimos tempos e a seguir sobe-me uma alegria pelo peito acima e já tenho o rato a clicar sobre o repeat.

À cabeça vem aquela pergunta inevitável, onde é que andaste este tempo todo, e nem sei se é o alerta laranja ou vermelho em que vivemos nestes dias, nem se porque a roupa custa a secar, ou talvez porque às vezes são dez da manhã e parece que está a anoitecer - alguma coisa me prendeu à música de Noiserv, também conhecido por aí como David. É música de quem não me conhece mas que gravou, sem querer, as minhas memórias mais recentes. E, noutros quatro minutos e quarenta e seis, guardou a minha revolução interior, o meu coração a querer saltar pela boca e o meu silêncio imposto. Está frio, os dias estão escuros mas não faz mal, desde que possa continuar a ouvir isto. Vezes e vezes sem conta.

janeiro 19, 2009

A Catarina desafiou-me a que escrevesse dezasseis coisas aleatórias sobre mim. Não totalmente confiante no resultado, aqui fica a minha tentativa.

1. Se não tivesse este nome, chamar-me-ia Marcela.
2. Em casa estou quase sempre às escuras.
3. Apaixono-me em três segundos.
4. Desapaixono-me em anos.
5. Já quis ser mãe solteira.
6. Gosto de comer tangerinas gomo a gomo.
7. Comprei a minha primeira casa aos vinte e sete anos.
8. Consigo ouvir a mesma música durante dias seguidos.
9. Falo antes de pensar.
10. Tenho o desgosto de nunca conseguir ler todos os livros do mundo.
11. Chamo nomes a quem não conduz na faixa da direita.
12. Gosto de primeiros encontros.
13. Muita gente me acha antipática.
14. Falo alemão todos os dias mas gosto mais de o ouvir.
15. Finjo muitas vezes que vivo num filme.
16. Fumei durante treze anos.

Não estou certa do que isto diz sobre mim. Certamente, diz mais que esta descrição aqui. E agora gostava de ver responder não mais dezasseis pessoas mas pelo menos a Maria del Sol, a Ervilha, o João, o outro João, a Rita Maria e a mana.

janeiro 18, 2009

As minhas noites são mais belas que os meus dias vi

Primeira foto por T.

Com o avançar da noite, as coisas deixam de ser reais. Todos os momentos que passo a pensar nele, todas as tardes em que me estendo na cama e tento ouvir a chuva que cai lá fora, todas as noites em que fico desperta a ouvir as paredes centenárias e a madeira desta casa deixam de existir. As memórias gastam-se, aniquilam-se e esbatem-se quando começa a madrugada. Subitamente, sou livre. Subitamente, movo-me depressa demais, bato a porta dum carro, levanto dinheiro e evito as poças no chão, entro e a música está demasiado alta e o fumo por todo o lado. Não há mais passado ali. Não há desgosto nem vontade de deixar tudo para trás. Com o avançar da noite, sou toda sorriso e braços no ar. E por isso, quando ele me passa a mão pela cintura, eu finjo que são outros braços que me tocam em segredo, no meio da pista. Para adormecer, basta-me fechar os olhos, não dou tempo ao sonhos para deixarem a cavidade obscura onde nascem.

janeiro 17, 2009

Only unfulfilled love can be romantic *

Talvez seja porque a Penelope Cruz é tão bonita que deve ser pecado, mesmo gritando irracional e encantadoramente em espanhol. Ou talvez seja a figura do Javier Bardem, a quem me apetece rasgar a roupa em todos os momentos de tanto me intrigarem aqueles olhos semi-fechados. Se calhar foi dos cenários, relembrando aquelas ruas: uma esplanada perto do MACBA, o som dos miúdos a andar de skate; a cidade a estender-se até ao mar, vista do Tibidabo; uma sugestão de calor nas ruas estreitas e sujas. Talvez até tenha vacilado com o flamenco, com a guitarra em puro jogo de sedução, comovendo-me com inversões e dedilhados. Deve-me ter atraído o castelhano escorregadio e sensual em plena Catalunha. É possível que me tenha deixado enredar pelos (muitos) copos de vinho, os jantares depois da hora, os conhaques mais impróprios. Sou uma apaixonada pelas peles morenas, pelas bocas que deixam escapar as palavras que não pensamos, pelas mãos que nos tocam mais do que devem. E sou uma apaixonada pelas palavras, pelas armadilhas lexicais com que iludimos o desejo, pelas batalhas semânticas que nos alimentam a luxúria. Estava a ficar destreinada: há muito tempo que não gostava de algo assim.


* diz o senhor Woody Allen, no seu novo Vicky Cristina Barcelona.

janeiro 15, 2009

Retrato de uma jovem mulher quando exausta

Obreira do milagre da distribuição das tarefas. Improvável corredora no escuro dum jardim lisboeta. Princesa das onze horas de trabalho diárias. Procrastinadora indefectível. Timoneira de um departamento sem rumo. Amante incondicional da comida já feita. Inspiradora de querelas e destruidora de boatos. Rainha das lágrimas a horas tardias. Romântica incurável, raiando a patetice. Capaz de adormecer no próximo segundo.

janeiro 13, 2009

They'll never take the good years

Uma destas noites, conversava com ele em surdina como é habitual.

(se algum dia conseguir explicar o que me uniu um dia a ele, todas as coisas do mundo perdem o encanto)

Ele falava-me daquela que deixara agora de ser sua namorada, de como tinha lutado para a manter consigo e de como tinha falhado. Outra vez. Dizia-me que o amor também é isto, perceber quando tudo deixou de fazer sentido, cruzar as mãos em sinal de desistência, apagar o brilho dos olhos voluntariamente. E disse-me que agora não procura nem deseja pessoa nenhuma - sente-se tranquilo por saber que existem no Mundo, vivem no Mundo pessoas que já o fizeram muito feliz.

(ele dá-me tanto à distância e sem o saber, os mimos das palavras e das pequenas massagens ao ego, as memórias)

Fico feliz quando me lembro da maneira como me agarraste na tua varanda numa noite de Verão, todos dentro de casa e nós os dois contrariando o desejo de nos despirmos só porque sim. Salta-me um sorriso de todo o tamanho quando me lembro daquela noite em que me sentia mal e tu me levaste para casa e puseste a tocar a Emiliana Torrini e te ajoelhaste à beira da cama, a tratar de mim com a doçura do teu olhar. Enche-se de calor o meu peito quando me lembro daquela vez em que te dei banho numa enorme banheira antiga, deixando a água escorrer lentamente pelas tuas costas. Marcou-me o dia em que, em pleno Terreiro do Paço, me beijaste de repente, como se a oportunidade nunca mais se repetisse, como se algum dia eu quisesse fugir. Ainda me assalta a memória a tua imagem a entrar-me porta adentro, as mãos nos bolsos, a cheirar a tabaco e caipirinhas, a sorrir desajeitadamente. Sei de cor a noite em que fiz duzentos quilómetros para te ver e, sozinhos, lutávamos contra a vontade de nos tocarmos. Pela sua proximidade, repito em silêncio o momento exacto em que senti um clique, em que os teus olhos falaram mais alto que a tua boca, em que os teus beijos eram exactamente aquilo que desejava.

Eu sou toda feita das partes destes homens. Os cheiros deles habitaram-me as mãos e a roupa durante dias a fio, todos ocuparam partes insondáveis do meu coração. Eu sou tudo aquilo que eles me ensinaram, às claras e com a luz apagada, com o seu silêncio ou as suas canções. Venha o que vier, mesmo nos dias em que me sentir mais só, eu sei que alguém já gostou de mim assim. E, mesmo andando há muito a combater esta saudade gigantesca, renova-se em mim um canto a que gostaria de chamar felicidade.

janeiro 11, 2009

Madame Godard @ CAEP

Reabrir as hostilidades, mantendo o nível das bandas convidadas - era este o desafio de mais uma noite na Quina das Beatas. A noite era a mais gelada dos últimos tempos (desta feita, sem direito a neve ou qualquer farrapo no céu a que costumamos chamar nuvens) mas os mesmos corajosos de sempre decidiram sair de casa para ouvir música. Foi a vez dos Madame Godard, que viajaram desde Viana do Castelo para nos surpreender com a sua coesão, bom gosto e, claro, com o seu theremin! Ficou-me na cabeça a maravilhosa versão de Spanish bombs (Yo te quiero infinito Yo te quiero, oh mi corazón), dos The Clash, num momento cheio de Sol que os Vampire Weekend ou Paul Simon não desdenhariam! E, num inusitado momento naquela casa, o público pediu encore! Maravilha de noite, em que as minis faziam carreirinho e se encerraram as festividades com improváveis jarros de sangria.

janeiro 10, 2009

Uma certa massa de ar polar *

Não sei se alguém se lembra exactamente quando começou. Mas, enquanto pedíamos mais quatro cervejas, começou a nevar. E toda a gente largou tudo e toda a gente correu lá para fora só para se lembrar como era. Os flocos começaram tímidos, caindo em grande quantidade com o avançar do tempo. Misteriosamente, toda a gente tirou de algum sítio qualquer coisa parecido com uma máquina fotográfica e os flashes sucederam-se. Tira-me a mim, que não tenho ainda uma fotografia a nevar, ouviu-se. Eram umas três da manhã e estávamos todos na rua: estava (outra vez) a nevar em Portalegre.

* outros flocos, como sempre, aqui.

janeiro 09, 2009

Back and forth

Esta é a breve história do poster que viaja da Estrela a Bruxelas, perdendo-se entretanto nos meandros kafkianos dos correios belgas, e que regressa à Estrela são e salvo. As paredes vazias do número dezanove bê eram inspiração suficiente para procurar alguma cor que pudesse aliviar o rigor do Inverno por ali e esta ideia parecia genial - o Sol todo o ano, dans votre maison. Dizia no canudo onde viajou que não tinha sido reclamado, o pobre. Não que não o quisessem, mas o carteiro tinha (talvez) sido demasiado preguiçoso para deixar um aviso na caixa do correio. Intocado, volta à origem, onde a remetente resolve guardá-lo para si - poupando-o a futuras viagens ou a envios sem sucesso, ela trata de o afixar na parede do seu quarto. Não há frio que assuste quando se acorda e se tem le Soleil toute l'année. Mesmo que isto seja pouco parecido com a Côte d'Azur.

janeiro 08, 2009

These last few days (b/w)

tudo pela objectiva do Jer (que às vezes nem merece créditos mas pronto, eu sou uma miúda pacífica e bem formada e vai de créditos)

Uma tarde numa leitaria em plena Bica (vamos jogar ao Onde está a M?), uma noite ali para os lados do Parque das Nações. O acompanhante fotógrafo foi sempre o mesmo, a música sempre nova e portuguesa (experimentem desta vez os Iconoclasts e digam que vão daqui). Ele passa por profissional da coisa, eu passo por coisa nenhuma. Entramos, discretos e sentamo-nos ou garantimos um bom lugar na plateia. Onde há música, há necessariamente calor. Por isso, quando fechamos a porta atrás de nós, enfiamos luvas, gorros e cachecóis, como se fosse assim desde sempre. Encontram-nos por aí, na plateia de um acontecimento obscuro. Eu serei o sidekick do tipo com o corte de cabelo com mais falhas da sala.

Estado em que se encontra este blog

Com a cabeça a andar à roda. Desesperadamente desejando dormir uma noite inteira, seguida, ininterruptamente. Como um borrão sobre uma parede lisa. A necessitar preencher o mapa das férias que hoje me chegou às mãos. Em equilíbrio precário. Incapaz de não ouvir sempre a mesma coisa. Hiper-consciente de si mesmo. Desdenhando da vaga de frio que aí vem para nos lembrar como se vive noutras paragens. Cansado da corrida, da bicicleta fixa, dos saltos num step perdido no jardim. A meio caminho entre a cama e o sofá. E a meio caminho entre a alegria de olhar em frente e a tristeza intermitente de se desejar o que não se pode ter.

janeiro 05, 2009

E ao terceiro dia ela saiu de casa!

Depois de recatada no conforto do meu lar de sexta a domingo, apenas um concerto me fez mudar de ideias e interromper o modo eremita em que tinha vivido durante o fim de semana. Foi assim que, acompanhada por esta moça e este moço, estive na Leitaria Estrela da Bica a ver o concerto do excêntrico b (fachada) (fotos em breve, não é?). Entre uma torrada e um galão, ouvimos música portuguesa da boa, sem maneirismos nem artifícios, apenas um rapaz barbudo a rebentar de poesia e de uma métrica muito própria, cirandando de guitarra ao peito entre as mesas do estabelecimento e exigindo a ausência de ruído de fundo. Se querem ironia envolta em folclore, procurem-no por aí.

Não contentes, seguimos (já em modo par, apenas) para o Estádio, onde matei saudades das médias em frente à pior representação de um estádio de que há memória, enquanto os restantes clientes vibravam com o final do jogo do Porto. Decidimos procurar outro pouso para vermos o nosso Glorioso e foi assim que ainda demos um pulo ao miradouro de S. Pedro de Alcântara, com umas das vistas mais privilegiadas sobre Lisboa. Depois, arriscámos uns camarões e uma sapateira enquanto víamos mais uma desgraça servida a frio pelo clube do nosso coração. Duas imperiais apenas, que não havia motivos para comemorar e, enregelados, voltámos a casa. Dormir foi mentira, que a digestão não estava ainda feita - a noite foi passada em claro, sonhando a cada meia hora sequências demasiado bizarras, pessoas de círculos diferentes enfiadas no mesmo sonho, eu em constante corrida para apanhar um avião que nunca chegou a existir.

E puff, é Segunda-Feira e acabaram-se as semanas curtas e as pontes e os horários a meio gás. Alguém me diz quando é que se marcam férias?

janeiro 04, 2009

"Kafka, in everybody's life there's a point of no return. And in a very few cases , a point where you can't go forward any more. And when we reach that point, all we can do is quietly accept the fact. That's how we survive."

(Kafka on the Shore, by H. Murakami)

Ando com esta página marcada há tempo demais. Porque não queria perder esta passagem, marquei o livro com um gancho que tinha à mão, um daqueles ganchinhos com que prendemos (domamos) o cabelo. Sempre que pegava no livro, abria-o nesta página e lia outra vez estas quatro frases. Sei que já cheguei ao meu ponto de não retorno, sei-o há muito tempo. Houve qualquer coisa em mim que quebrou, uma espécie de estilhaço interior, uma lembrança das guerras em que me lanço cada vez que me sinto calma. Momentos de quebra houve só um; momentos de revelação, a esses já perdi a conta. Muitas vezes quis reconstruir essa parte de mim e algumas vezes ma quiseram reconstruir. Mas se hoje me sento aqui, escrevendo este texto, podem avaliar do sucesso de todas essas tentativas.

O que ando a tentar evitar a todo custo é esse ponto em que, silenciosamente, aceitamos. O meu esforço, mais do que para me reparar, é para continuar em frente. Hoje, mais do que nunca, esgoto todas as possibilidades, calculo todas as alternativas, invento novas formas de conseguir o que quero. Sei que um dia escrevi que me sinto emotionally crippled, uma aleijada sentimental e emocional - não o nego. Mas conheci alguém que me fez levantar desse pântano de emoções, dessas areias movediças da auto-comiseração e que me fez ver como é estar novamente deste lado. Por isso, eu não quero aceitar. Eu quero-o. O desejo é tão grande que chego a sentir náuseas. E se ele não me quer, eu quero-o na mesma, porque ele me mostrou tudo o que interessa. E por isso posso passar longas horas pensando nele e na ironia e desafio do seu olhar, imaginando-o sozinho ou acompanhado, testando a minha resistência à distância. O que não vou fazer é aceitar e sobreviver. Não me conhecia assim mas está ainda longe o momento em que vou desistir.

janeiro 03, 2009

Feliz primeiro Sábado do ano! *

Trancada em casa de livre vontade, o mínimo que podia fazer era comprar mantimentos que me aguentassem pelo fim de semana fora. Hoje dormi dez horas, coisa de que já não me lembrava, e gostei. Tinha dormido mais se a minha vizinha não andasse de salto alto para trás e para a frente àquela hora. Quando acordei fiquei muuuuuuito tempo na cama, às voltas no quentinho, só olhando para o tecto, a pensar. E depois, quando me decidi levantar, preparei o super-pequeno-almoço-da-Lapa, que supostamente durará no meu estômago até às três, quatro horas da tarde. E hoje vou passar o dia todo mas todo a ler. É só acabar as tarefas de limpeza que eu já vos digo.

*sim, eventualmente vou deixar de comemorar tudo e mais alguma coisa.

janeiro 02, 2009

Finalmente, 2009!

Primeira foto da S., restantes são minhas

Não sendo daquelas pessoas fundamentalistas que acha que 2008 foi o pior ano de sempre, estava já um pouco ansiosa para que acabasse. É como se os erros e as coisas por resolver desaparecessem para sempre assim que o ano desse a volta, como se imediatamente se me acabassem as tristezas e os arrependimentos. Mas, na manhã seguinte, examinei o coração e ainda cá continuava tudo.

Mas, sentimentalismos à parte, foi uma noite à maneira *(não para todos mas isto é assim, não se agrada a gregos e troianos). Estava com gente de quem gosto, havia música daquela que não me lembra ninguém, uma muy apreciada reprodução da Mona Lisa, tanta bebida, uma feijoada de chocos deliciosa e a chuva conteve-se. Pelo meio ainda ouvi dizer que não tenho arranjo, que estou condenada à solidão, ideia que limpei como água do capote. E houve amigos que fugiram, outros que dormiram cedo mas ficou sempre gente boa com quem conversar. Não pedi nada à passagem da hora, nem para mim, nem para ninguém. Em podendo, é cumprir as resoluções.

Feliz Ano Novo!

* outras impressões aqui.