agosto 31, 2008

Não descansar quando realmente é preciso

Do alto daquele terraço, podia ver-se a serra de São Mamede e o castelo de Marvão mas eu preferia estar sentada debaixo da copa imensa daquela figueira. É verdade que o Verão abrandou e que as noites há muito que gelaram por aqui mas não há nada que um par de colunas e electro muito alto não possam aquecer. O desconforto de dormir numa tenda está a tornar-se clara e rapidamente numa fobia que não estou a conseguir enfrentar e que me obrigou a procurar a minha cama todas as noites. Os meus amigos tratam-me bem e lembram-me de como é difícil estarmos longe e termos projectos tão diferentes. E agora é recuperar o sono antes do trabalho recomeçar amanhã. Um fim de semana a tocar bateria, a perder a voz antes do jogo do Glorioso, a ouvir os bailes das festas de Verão ao longe e a comer febras saídas directamente da grelha é tudo o que precisava para descansar. Da monotonia, pelo menos.

agosto 30, 2008

Ainda sobre o mês que amanhã acaba *

Sempre me lembro daquele mundo de bailaricos populares com aparelhagens manhosas, de procissões sonolentas, de praias fluviais, de emigrantes em visita, de crimes sanguinolentos que rasgam o «idílio» campestre, de incêndios brutais que mudam a cor do céu.

* porque ele o diz infinitamente melhor do que eu.

agosto 28, 2008

Destilar (ou a violência começa aos 4m40s)



Cansada de me importar, hoje quero a violência de que fujo nos outros dias. Preciso desta tensão a impedir-me de respirar, de dançar desajeitadamente no meu corredor, de suar o que me faz mal, de acabar deitada no soalho, o cabelo escuro a contrastar com a madeira, eu completamente espalhada pelo chão. Acontece que me canso, como dizia o poeta. Acontece que os dias não são todos iguais e tenho dentro uma revolução em curso, tenho coisas para dizer mas não ouso dizê-las, sinto-me vacilar. Preciso de violência, de me esquecer do que sinto, de me afogar em esquecimento. Divido-me entre a varanda e o sofá, ensaio os passos junto à parede, preparo-me para sacudir as coisas belas. Sinto-me urgente, envenenada pela minha própria vontade, traída pela minha absurda capacidade de acreditar. Quero a cabeça cheia de ruído e o coração arrumado.

agosto 27, 2008

Aquele querido mês de Agosto *


Há uma parte de mim que se desliga constantemente e, contrariando a minha vontade, está lentamente a desaparecer. É a parte de mim que viveu numa capital de distrito no interior, a maior parte das vezes mais parecida com uma aldeia do que com uma cidade. A minha declaração de amor ao sítio em que nasci é conhecida e há-de ser repetida mais vezes mas a verdade é que me vou esquecendo da miúda que já fui lá.

Honestamente, só consigo olhar para trás quando a isso sou obrigada. É, talvez, a minha forma recalcada de fugir às dificuldades que tive em crescer, em amadurecer e deixar de ser uma criança, a marca indelével que é ter sido a única rapariga da minha rua (da minha idade) em plena adolescência. Por isso, quando às vezes olho para trás, parece que só me vejo a partir de mil novecentos e noventa e sete, o ano da minha reinvenção. E ontem, com um deslumbramento envergonhado, voltei à altura em que era um bocadinho menos sociável e em que sofria os desaires do meu corpo se recusar a crescer.

Lembrei-me de repente dos bailes em frente à pastelaria sem nenhum grupo, só uma aparelhagem a tocar e a esperança infantil de que ele ainda aparecesse ali. Lembrei-me do acontecimento que era a benção dos carros em São Cristovão e da confraria e de como tudo isso significava poder desaparecer do baile sem ninguém notar. Lembrei-me de como assistia à procissão do senhor dos Passos sempre da mesma janela e sempre com o mesmo saco de torrão nas mãos. Lembrei-me dos domingos à noite em que, depois de jantar no Leitão em Caia, ouvia os discos pedidos com um pequeno transístor vermelho debaixo dos lençóis. Lembrei-me do cheiro às omeletes que a minha mãe fritava para o meu pai levar para o trabalho ainda a luz do Sol não rasgava aquelas persianas. Lembrei-me dos sofás de veludo cor de vinho e das tardes de Domingo, tentando dormir a sesta ao som do campeonato de fórmula 1. Lembrei-me de comunicar por sinais com a minha vizinha da frente e lembrei-me de brincar à Pedra sobre Pedra no prédio do lado. Lembro-me dos almoços no senhor dos Aflitos, das grades de minis dentro dos tanques, o Tó Miguel a apanhar beatas por todo o lado e os amigos do meu pai a cantarem o Perompompero. O mundo acabava na placa onde acabava a cidade e aquelas ruas eram minhas e da bicicleta em que caía sempre que tentava um cavalinho.

O que este filme me deu foi uma enorme sensação de simplicidade. Ver aquelas pessoas a discorrerem umas sobre as outras, sentir a tensão entre o rapaz e a rapariga, descobrir a estranha tradição que consiste em pregar pregos num tronco(enquanto se bebem minis), acompanhá-los por aquela serra acima - foi estar perto dessa pessoa que fui. E foi bonito ouvir só as copas das árvores revolvidas pelo vento e foi bonito assistir ao momento exacto em que começa a anoitecer ao lado daquele marco geodésico. Um céu daqueles não deve ter sido fácil de encontrar.

* site oficial aqui.

agosto 25, 2008

Ficção #4

Perguntas-te se a isto que vês se chama felicidade, se é assim que os teus olhos brilham quando cais a seu lado na cama, desfeito em suor, as forças esgotadas pelo desejo que não consegues conter, os lábios dormentes de tantos beijos. Não sabes com certeza se foi ela a conservar-te este sorriso mas é como se estivesses deitado e ela rolasse sobre ti e os cabelos longos te caíssem sobre o pescoço. Ela diz qualquer coisa que não consegues decifrar, é um poema em segredo feito de três palavras e das mãos com que te desenha de luz acesa. Estás suspenso no tempo e no calor húmido deste sótão onde acendes mais um cigarro que sorves como se dele pudesses extrair o sabor dela quando te provoca cautelosamente, como se ela mesmo tivesse na boca esse cigarro instantes antes e pudesses ainda resgatar o gosto a mulher deitada numa praia selvagem.

agosto 23, 2008

(Aquele também conhecido como provavelmente o último) dia de praia

Eram milhares de gaivotas à beira-mar por alguma razão que não consegui descortinar. A manhã estava muito fresca, corria um vento que chegava a ser desagradável mas estava um dia de Sol lindo. Não havia tanta gente na praia como esperava para este final de Agosto mas uma família muito chata escolheu ignorar todo o areal livre e montar o estaminé quase em cima de nós. A água fazia doer os ossos mas isto sabia estranhamente bem. Não sei quando vou voltar a estar assim estendida ao Sol. Pelo sim, pelo não disse Até para o ano.

agosto 21, 2008

São as vantagens de a ter outra vez perto de mim. Num dia, prepara uma entrada para tornar o jantar numa coisa mais especial; noutro dia, leva-me ao take away, onde enchemos três embalagens de sushi para comermos em frente à televisão. Também podia falar da maravilhosa sensação que é ter alguém à nossa espera depois de um dia de trabalho e da maneira como ela cuida de mim. Depois de dois anos sozinha, admito que foi estranho voltar a partilhar a casa. Mas a sensação durou apenas dois minutos, os mesmos que ela demorou a instalar-se. Não é, mana?

Wise words *

A lot of bad shit is gonna happen to you. People are not gonna love you back, and [...] that's the first thing you should learn.

(Um dia acordas e puf!, o teu amor já não está lá. Tu não percebes como, matas-te a pensar como foi possível chegar até aqui sem reparares em nada, todos os sinais a passarem ao lado, a eternidade em que confundiste amor com compaixão. É tão simples de dizer, é só Deixei de gostar de ti e é isto mas é impossível que algum dia venhas a compreender como é que uma bomba assim te aterrou no colo. Esquece tudo o que pensaste antes, esquece as coisas ditas ao ouvido durante a noite, esquece o suor a encharcar-vos os lençóis e as pernas tremendo depois do sexo, esquece as mãos que te acordam devagar, esquece pensar que o mundo é isto. O amor que era teu, aquelas noites em que não dormiam com a excitação de estarem lado a lado, as palavras que te atordoavam os sentidos e te obrigavam a sorrir num carro em andamento - tudo, tudo mentira. Não, não mentira mas tudo esgotado, tudo transformado num desconsolo tão profundo que te encostas à parede, sentado no chão e pedes baixinho que te venham buscar. Era isto que querias dizer quando dizias para sempre? Era isto que querias mostrar-me quando te pedia para calares as promessas? Para sempre é agora e os próximos cinco minutos, se acaso o amor ainda não se esfumou. Podias ter sido mais cauteloso e ter recusado o amor e podias ter pedido que te amassem apenas na medida certa, apenas o suficiente. Inverteste a ordem das coisas quando aceitaste tudo. E, da mesma maneira que tudo é a quantidade mais vaga que há, para sempre também só durou o tempo de te quebrar. Hás-de aprender a vergar-te.)

* depois de ver este filme.

agosto 19, 2008

No trabalho, é como se tivesse só buracos negros à minha volta: sugam-me toda a energia possível durante as sete horas e meia que passamos juntos, distraem-me com erros em catadupa e com perguntas estranhas. Fecham-se na casa de banho a falar ao telefone de hora a hora, inventam esquemas para virar o horário a favor deles. A minha chefe pergunta-me cinco vezes, dez vezes antes de sair se está tudo sobre controlo. Por instantes, não sei se ela fala do trabalho que fiquei de organizar ou se de mim e hesito na resposta. Às vezes, fico tão desanimada com as pessoas em geral que tiro prazer de fazer o caminho para casa a pé, a música a isolar-me dos ruídos exteriores. Consigo fingir que há uma mão gigante que desce do céu e recolhe as pessoas (para onde não sei, uma nuvem qualquer) para um castigo qualquer, para um sítio onde se ensina o civismo.

Enquanto imagino um mundo mais vazio, enquanto atravesso um jardim da Estrela cheio de velhinhos, meninas com trotinetas, bebés estrangeiros deitados na relva, testemunhas de Jeová e turistas de meia idade, o que me vai valendo é isto. Chamam-se Bowerbirds mas também se podiam chamar só conforto.



You're in our headlights, frozen, and no, we're not stopping.

agosto 16, 2008

O boné do poder

Também conhecido como o boné mágico, já viu reconhecidas as suas propriedades indutoras da diversão por variadíssimas pessoas na casa dos vinte e qualquer coisa. Pode provocar vontades súbitas de dançar, amor incondicional pela objectiva e excesso de boa disposição. De forma a potenciar as suas muitas qualidades, é recomendável que seja usado também pelas pessoas que o acompanham. As contra-indicações referem apenas alguma falta de discernimento e ausência de sono. Seja responsável, use-o com moderação.

Bonés e outros barretes podem ser apanhados aqui.

agosto 13, 2008

M. e o avanço na estrutura corporativa

O programa das festas não era nada animador. Primeiro, falou-se de dois dias inteiros, sem conhecermos o horário. Depois passou apenas a ser um dia, com um brilhante horário das nove às cinco. E melhorou muito quando chegou o dia e descobrimos que o horário afinal não excedia as três e meia da tarde. A formação ia ser dada por um colega inglês vindo expressamente para o efeito e os resultados analisados em grupo e individualmente. Não era um dia facultativo mas não senti nenhuma pressão, nenhum inconveniente em ser estudada daquela maneira.

À chegada, encontramos um (atenção: preconceito!) invulgarmente atraente formador inglês. Louro, alto, certamente mais novo que eu e com um sotaque adorável, apresentou o plano do dia. Fomos avaliados em grupo e depois individualmente por pessoas diferentes. Foram-nos dadas situações vulgarmente associadas com a gestão de orçamentos e de pessoas e todos tivemos que tomar decisões, apresentar argumentos, esgrimir opiniões apaixonadamente. Tive sorte com o resto do grupo: foi muito fácil chegar a consensos sem nenhuma batalha campal e sem que apenas uma pessoa assumisse o protagonismo. A única coisa que tornou o exercício mais intenso e algo cansativo foi o facto de tudo ser feito em inglês: os debates, o relatório sobre e-learning, a apresentação individual. De resto, senti tudo como um jogo.

Quando penso nas palavras da pessoa que coordena todos os departamentos lá do prédio, sinto-me meio desconfortável. Serviria este dia para conhecer as nossas necessidades de formação, preparar-nos para dar o passo para a posição seguinte dentro da empresa. Nunca recusaria a oportunidade de progredir e tenho a agradecer as duas oportunidades que já tive até agora. Mas, como é evidente, quanto mais alto se sobe, menos as pessoas contam. Vamos deixando de trabalhar com elas e passando a contar com elas como números numa tabela qualquer, vamos ficando cada vez mais sozinhos. Só que, sendo uma pessoa medianamente ambiciosa, percebi que se vai aprendendo esta frieza pelo caminho e que, como algumas pessoas já me mostraram, podemos manter as pessoas sempre a nosso lado. Se haverá outra promoção, não sei. Mas sei que enquanto tiver este espaço para a parte de mim que está cheia de romance e poesia e música, viagens e amigos com quem beber cerveja, desgostos e desilusões serei menos máquina e mais carne. Portanto, salvem-me enquanto puderem :)

agosto 09, 2008

Saturday night live

No quintal das traseiras, os meus vizinhos gritam por qualquer jogo que dá na televisão. Por momentos, fico mesmo com a sensação de que se joga qualquer coisa importante, tal é o entusiasmo com que festejam. Provavelmente, na rua corre uma brisa deliciosamente fresca que eu não sinto sentada no sofá e eles aproveitam para deslocar a televisão para o quintal minúsculo, de onde sobe também um insuportável cheiro a petróleo. No condomínio fechado não se ouve um pio e as portadas estão todas fechadas há bastante tempo.

Há uma ideia que me persegue há dias: é esta ideia de que, quando falamos de esquecer, eu sou um autêntico desastre. Como o McCarthy dizia You forget what you want to remember and you remember what you want to forget e eu começo a pensar cada vez mais que este processo todo não é involuntário. Juro que me esforço para esquecer porque sei exactamente quais são as consequências desta persistência e juro que, em todos os dias que passei longe de casa, foi tudo mais fácil de ignorar. Mas é só voltar, é deitar-me uns minutos na minha cama de casal e meio e está tudo absolutamente perdido. Depois disso, segue-se o momento em que tomo o pequeno-almoço, os instantes que demoro a chegar ao carro, todas as paragens nos semáforos, a viagem de elevador do zero ao seis, os segundos que os programas demoram a abrir, o almoço sozinha, as compras no supermercado, a sesta, o parapeito da janela depois de jantar - tudo contaminado e com a minha autorização.

Já mudei a música e levei o volume àquilo que é permitido no meu condomínio minúsculo, onde sou a única pessoa que não faz parte da família. Já folheei o simpático livro oferecido com o Público mas estanquei na primeira página quando li Não posso adiar o coração. Não é a primeira vez que ouvi/li isto mas às vezes precisamos de estar preparados para receber as dádivas das palavras, estes segredos que nos rouba o poeta sem saber. É preciso crescer, amadurecer os amores e os desgostos, acumular os cabelos brancos. E se pudesse, também eu adiava esta trapalhada toda a que chamo vida e da qual me esqueço quando estou longe. Até ao momento em que fosse claro o que fazer a seguir. Porque, francamente, não sei. A não ser beber mais um copo de rosé e embriagar-me com as palavras destes poetas todos. E com as imagens que luto por exorcizar. Sem êxito, a distraírem-me uma e outra vez.

Dormir mais feliz #16

Truth telling lies
Love says goodbye
Dreams won't dream on their own
Shadows disappear
Love turns to fear
Compromises, ties and bonds

agosto 06, 2008

Fragmento (s) *

[...] Quem te dera teres-lhe este amor. Quem te dera que ele pudesse ser o homem que imaginaste sempre que não conseguias dormir – sempre. Ele é bom e é bom para ti mas, quando pensas nele, há sempre um mas. Só que ele agarra-te pela cintura e fala-te de estrelas e diz que és uma cidade com muitos corações a baterem dentro de ti, que as ruas ensolaradas de Lisboa são como os caminhos do teu afecto, que os teus cabelos negros são as amarras invisíveis que o prendem aqui, que tens nos olhos todo o encanto das tardes de Verão passadas na Sra. do Monte. [...]

[...] Querias retribuir-lhe a poesia com mais poesia mas não sabes amá-lo doutra maneira. O tempo e a tua fraca habilidade para escolher foram roubando a tua capacidade para te abandonares ao amor. Por isso, amas o facto de ele te amar tão cegamente, amas o teu próprio reflexo nos olhos dele e sofres com esta sensação profunda de egoísmo que não tem remédio. Quando escolhes a camisola menos gasta, é em ti que pensas, é naquilo que vais encontrar quando ele olhar para ti. E como não lhe podes oferecer mais que este amor refreado e parcialmente triste, és totalmente sua para que nunca o possas magoar, para que a tua dor de ser não rasgue um dia as veias dele também. [...]

* da ficção que reclamo para mim própria.

agosto 04, 2008

Estorãos e Paredes de Coura ♥

Outros recuerdos aqui :)

Não sei se conseguia voltar mais contente. Foram dias tão relaxados, com uma leve rotina diária que se resumia a pequeno-almoço servido sempre a horas, a manhã na piscina que partilhávamos com dois casais ingleses e respectivos rebentos, almoço frugal e rápido, deliciosa sesta para retemperar e concertos o resto da noite. Já me tinham dito que lá em cima é que é, que o cenário é (só ele) razão para fazer estes quilómetros todos e eu venho de lá completamente rendida às evidências. Se a isto somarmos o Sol todos os dias, as pessoas bonitas, os carros dos emigrantes em todas as aldeias em festa, menos de dois minutos para pedir qualquer coisa em qualquer balcão, os sinos a tocarem a cada quinze minutos, podemos concluir que sou uma pessoa de sorte.

(Gostei tanto do concerto dos Editors e de sentir à noite aquele frio que não se faz anunciar, vai-se enrolando nos ossos até nos apercebermos que estamos gelados. Gostei do café dos emigrantes e da ponte romana de onde mergulhavam para uma ribeira. Gostei da gente que enchia as ruas de Ponte de Lima, das pessoas que estendiam a toalha à beira rio e almoçavam nas mesas de campismos. Gostei que os Lemonheads me tivessem levado a um tempo do qual pensava não ter boas recordações mas em que, afinal, também fui feliz. Gostei de poder beber uma cerveja à beira da piscina, como as vizinhas inglesas, e um Alvarinho ao almoço. Gostei de dançar, primeiro timidamente, depois absorta em mim mesma, criando uma pista imaginária onde me deslocava sozinha, onde era esmagada pela batida. Gostei de andar perdida durante duas horas enquanto não achávamos o caminho para o festival, uma da manhã, duas da manhã e ainda não se ouve nada, vê lá se não podemos virar aqui, talvez estejamos a andar na direcção contrária. É tudo tão simples quando nós deixamos. É tudo mais fácil quando evitamos que a realidade nos sabote a estadia naquele paraíso intocado, com esforço, com a estóica coragem de impedir as fantasias de avançarem e perturbarem aquele silêncio só rasgado pelo toque dos sinos. É tudo tão fácil quando eu quero, é tudo tão óbvio que empurro aquela imagem para longe, para fora, rejeitando a felicidade a acontecer à hora marcada. Foi tão, tão bom mas é pena que conjuguemos este verbo sempre no pretérito.)