outubro 29, 2006

Os últimos dias antes do resto da minha vida





E agora, para contrastar com as semanas de interminável tédio e insuportável inactividade, aparece-me assim uma para me lembrar do que é andar mesmo de rastos. Nem tudo é negro, ainda assim.

Na quarta, as gordas aparecem para me resgatar. Chegam e já vêm cheias de sacos de supermercado e vontade de cozinhar. É a minha deixa para me deixar estar recostada no sofá e esperar que elas dominem as lides culinárias. Comemos, entre as últimas novidades do jet set nacional e os mais recentes reality shows, já que uma das gordas é assistente de produção. Além de não prepararem um prato pouco calórico, ainda me conseguem arrastar pa uma gelataria. E comer uma banana split, o melhor gelado de sempre. Em mesas e cadeiras em forma de gelados, porque elas fizeram questão. E eu a pensar Lá se vão as horas no ginásio. Suspiro.

Na quinta chego ao trabalho e deparo-me com o melhor cenário de sempre: ninguém estava no sexto piso. Nem a mosca que teima em ficar por ali. Não havia lutas pelo ar condicionado, nem estávamos a ouvir a mesma estação de rádio de todos os dias, nem havia uma impressora constantemente a acusar falta de papel. Lembrei-me como é raro estar em silêncio hoje em dia e aproveitei. Durante dois minutos, p'raí.

Depois entro no fim de semana com música e com música da boa, ainda por cima. Fomos até ao Santiago Alquimista ver os Linda Martini e bem, grande concertaço! Só foi pena concluir, mais uma vez, que sou demasiado baixa para quaisquer actividades musicais ou que impliquem espectadores desordenados. Mas foi impagável ver aquela gente toda a cantar o Amor Combate em uníssono. E depois houve a dose ideal de improvisação e de feedback, com o vocalista a insistir em fazer-nos passar uma mensagem de amor. Houve um encontro completamente condenado a não existir (demasiado ruído = comunicação inexistente) mas deu para sacudir o stress acumulado em quantidades industriais.

E hoje houve uma dose cavalar de IKEA, dose essa que não acabou com as minhas visitas lá. Um conselho: NÃO vão ao IKEA aos fins de semana. Mas OK, isto já toda a gente deve saber. Mesmo assim, NÃO vão. Há pessoas a quem a entrada em certos sítios não deveria ser permitida. Eu, claro, não sou uma delas.

outubro 27, 2006

E agora para algo verdadeiramente inédito *



Estas combinações que se fazem com os serviços de que mais precisamos sempre me deixaram desesperada. Desta vez foi a água. Disseram-nos que passavam cá entre as dezoito e as vinte e duas horas. São quase vinte e nada, como aliás seria de esperar. Sem uma cadeira, banco, mesa ou cama, sujamos as calças no pó branco que cobre todo o chão. Não há nada que possamos fazer, não podemos usar a casa de banho mas pelo menos temos electricidade. Não há nenhuma garantia de que realmente apareçam, penso eu, enquanto olho para as minhas mãos manchadas também do pó branco. Não sei, acho que isso realmente já não me importa. Ela está sentada à minha frente a tentar ocupar-se com o jornal e eu olho pela janela neste fim de tarde (quase) de Verão. Não chegam mas eu já consegui chegar até aqui. E palpita-me que é para ficar.

* a postar directamente da minha futura mansão na Lapa.

outubro 24, 2006

Let's get physical

Hoje é que foi. Hoje juntei-me a um ginásio exclusivamente frequentado por mulheres, o que só por si já é um tópico que me faria rir durante bastante tempo. E já há tanto tempo não mexia uma palha, umazinha sequer, que agora estou mesmo em dificuldades a escrever este post.

A ideia de um ginásio para mulheres é boa. Mas também é má. É boa porque não estamos expostas aos olhares masculinos. Se estamos num ginásio é porque, em princípio, não estamos satisfeitos com o nosso corpo e portanto é um alívio não ter que me passear frente a espelhos e espelhos e, ainda por cima, elementos do sexo masculino numa altura em que estou com um nível de vulnerabilidade perigoso. Mas, ao mesmo tempo, estamos só entre mulheres. E isso significa que estamos sujeitas a olhares ainda mais minuciosos, a procurar todos os defeitos, ah! aquela é sem dúvida mais gorda do que eu. Os balneários são um problema, também. Ainda só passou um dia e já estou farta da mulher que trabalhou em Milão e que manda vir o queijo de lá e que só come sopa como a de lá.

Depois houve também a situação embaraçosa das medidas. Ali estava eu, com a minha amiga ao lado, a ser medida por tudo quanto era lado, vamos lá ver a anca, aqui na parte mais larga!. E a minha amiga a ver e eu a pisar a balança e a fechar os olhos, a fingir que nem via o ponteiro a subir, a subir. E depois, para tornar tudo ainda mais embaraçoso, assistir às medidas da amiga e ver que... bem, somos diferentes. Não há como fugir a isto tudo: já não é só a ideia de não ser atraente ao olho masculino que me amedronta. Agora já tenho um certo pudor em olhar-me ao espelho, já é difícil olhar e fingir que está tudo bem.

Depois há a parte do banho. Não sei porquê mas as mulheres são tão mais púdicas. Os homens levantam-se nús duma cama, passeiam-se nús pela casa, não se sentem intimidados pela presença de outro homem. O que eu sinto nos homens é que as situações de balneário são quase naturais. Mas para nós há todo o ritual de tentar parecer natural mas rápida, para que possamos parecer à vontade mas reservadas. E tomar banho e vestir muito rapidamente para tapar as imperfeições porque já é mau o suficiente vermo-nos ao espelho, quanto mais partilhar isso com estranhos. Ou então sou só eu, não tem nada a ver com o nosso género.

E agora é suar. Suar desalmadamente, ensopar a t-shirt e a toalha, sentir os músculos a ceder, sofrer muito enquanto faço os alongamentos. E passear-me em frente aos espelhos daqui a uns meses largos e sorrir discretamente.

outubro 21, 2006



Hoje é Sábado. Portanto, é dia de eu me tratar (especialmente) bem. O que implica



cozinhar o meu Berliner Wok*. Cortar minuciosamente os ingredientes, abrir uma garrafa de vinho enquanto preparo tudo, ficar satisfeita com o resultado. E ter tempo, principalmente ter tempo para isto tudo sem pensar no que tenho que fazer a seguir.

* em memória da minha cidade preferida. Porque foi lá que tomei o gosto à cozinha e foi lá que comprei o primeiro wok e porque tenho saudades de mil e uma coisas. Especialmente do turco que vendia os legumes frescos na Wrangelstr. E de coisas que davam para muitos mais posts.
E eis que, quando pensava que o azar já me tinha abandonado, ele regressa sob forma de falha no sistema no trabalho! Depois de ontem só ter trabalhado as três primeiras horas da manhã, a coisa repete-se na manhã de Sábado. E meus amigos, garanto-vos que não trabalhar é, neste caso, uma coisa demasiado violenta para o meu gosto.

Ontem, apesar de ter trabalhado apenas das oito às onze, só saí do trabalho às três e meia. E isto porque chegaram à conclusão de que não valia a pena esperar mais. Quer dizer, isto depois de esperarmos quase cinco horas. Cinco horas de passear pelo sexto piso, ler o jornal aos bocadinhos e almoçar mais cedo à força. Depois ainda houve tempo de uma consulta de medicina do trabalho (com a médica mais bruta e mal educada de sempre) e de festejar o aniversário dum colega de trabalho com bolo de brigadeiro. Daqui, passa-se pelo ginásio e combinam-se os preços e as modalidades. Vou mandar o pneu (e o bolo de brigadeiro) às urtigas e fazer a vontade à médica.

Levantei-me hoje às seis horas e quarenta e cinco minutos da madrugada. Hoje é sábado e não me levantei para ir ao mercado ou para ir correr ou para ir à praia ou para ir fazer qualquer porra de actividade que me apetecesse mesmo mesmo. Entrei no carro e ainda era de noite. Cheguei ao trabalho e ainda era de noite. E quando cheguei, dou com o sexto piso quase vazio, apenas uma colega de trabalho que pensava que se tinham esquecido dela. O sistema não funciona. O quê? O sistema não funciona. Acho que não ouvi bem. Pois, o sistema não funciona mesmo e não fazemos ideia se sequer vai funcionar. É sábado e eu estou num sexto piso da rua Latino Coelho a escrever isto. Não estou na cama, não estou em casa, não estou a chegar duma noitada. E o mais estúpido disto tudo é que até é bom: queixo-me mas acho que não ia querer passar a manhã a anhar na cama. Agora queixo-me, agora não. Agora queixo-me, agora não. Ai.

outubro 19, 2006

La Dauphine


i'm not surprised at all and really, why should i be?/see nothing wrong/see nothing wrong/so sick and tired of all these pictures of me/completely wrong/totally wrong*

[Saí do metro e começou a chover. Era uma chuva muito miudinha, não conseguia decidir se abria ou não o chapéu. Fiz o caminho para casa devagar, o calor debaixo do casaco, completamente embriagada pelo cinema. Não sei realmente se o filme foi bom ou se estava abaixo das expectativas. Mas sei que gostei. Se calhar porque ela escreve, com as suas imagens, uma espécie de poesia urbana e moderna, uma poesia da solidão. A minha casa era hoje o Palácio de Versalhes: um sítio imenso, onde uma miúda tenta não ceder. Às vezes é bom estar sozinha. Noutras custa-me estar .]

*apaixonada (outra vez)

outubro 16, 2006

25-dele-25

Está no meu Top 3 de pessoas favoritas de sempre. Acumula funções: é irmã e melhor amiga. Quando estou com ela sinto que é sempre bom nunca termos crescido. E quando estou sem ela sinto falta das milhares de vezes que nos rimos das coisas mais estúpidas de sempre. E, mesmo não gostando de beijinhos e abracinhos, hoje era dia deles. Ela sabe que eu lhos dava! E tem a maior das sortes: continua a parecer que tem 17 anos, apesar de hoje completar um quarto de século. Parabéns à Pita :)

outubro 15, 2006

Arrepio bom



All your secret wishes could right now be coming true.

[E saudades tardias.]

outubro 12, 2006

O estranho caso da conspiração dos utentes do Metro contra a minha pessoa

Não sou nem nunca fui grande fã dos transportes públicos de Lisboa. Pelo andar das coisas, acho que nunca vou conseguir sê-lo. Há pessoas que podem evitá-los e preferem usar o carro e enfrentar filas intermináveis e condutores irascíveis - tudo para não terem que suportar a feroz agitação entre os utentes de transportes públicos. Mas eu não quero ceder e muito menos tenho uma carteira cheia de notas que possa desperdiçar em intermináveis talões de parquímetros. Mas todos os dias sofro horrores quando entro na mesma carruagem e vejo as mesmas pessoas e saio no mesmo sítio.

A minha madrinha dizia que não usava os transportes públicos porque o cheiro das pessoas a repugnava. E portanto pagava mais para não as cheirar. Como eu não sou rica, pago antes o Metro 30 dias e, calhando, lá vou debaixo do sovaco dum trolha depois de 8 horas de cimento e inúmeras médias despejadas num golo. Ou então sentada ao lado duma mulher a dias, que passou o dia com as mãos mergulhadas em lexívia, depois arranjou o peixe à patroa e a seguir ainda lhe descascou umas quantas cebolas. Mas a esta gente uma pessoa perdoa: é gente que suou para alimentar a canalha lá de casa. Quantos de nós não chegámos já ao fim do dia com um leve aroma a eau du suvaque? Depois há os velhos que a) ou cheiram muito mal b) ou são sebosos c) ou contam pela enésima vez todas as suas operações e dinheiro gasto em hospitais e como isto tudo é uma vergonha. Mas a esse mal também já me habituei.

Esta semana os utentes resolveram fazer-me a vida especialmente negra. Ou isso ou então era tudo parte duma gigantesca conspiração cósmica contra moi. Num dia foi o estúpido músico intelectual que, com o seu instrumento à costas, falava ao telemóvel. Perdão, ele não falava: ele usava aquele tom de voz especialmente indicado para toda a gente nesse metro, todas as carruagens umas atrás da outras, saber o que se estava a passar. Que tinham que receber uma indemnização choruda (esta expressão usada até à saturação total...), que a cultura neste país andava pelas portas da morte. A minha escolha era ouvir isto ou rebentar com os tímpanos, levantando o som do ipod. Ouvi-o, claro. Depois foi a mulher (nem sequer vou falar do aspecto dela) que resolveu cortar as unhas à minha frente. Assim. Como se fosse a coisa mais natural no mundo e sem pensar na unhas que saltavam para todo o lado. Um autêntico nojo. Noutro dia, encontrei um amigo de um ex-namorado. Não há coisa pior de disfarçar, olhar para o lado, fingir que não se viu a outra pessoa (coisas que ambos fizemos) e depois acabar na mesma carruagem cheia, quase colados um ao outro. Ter que beijá-lo, então estás bom?, fazer conversa durante mais tempo do que o suportável. Não é que não se goste da pessoa mas a única coisa a ligar-nos já se foi: não há nada que me/lhe interesse, nada que possamos mesmo partilhar. Odeio esta espécie de hipocrisia e, no entanto, cedo.

E depois, hoje, a cereja em cima do bolo. As pessoas pensam que, lá porque se vai de phones nos ouvidos, não ouvimos nada do que dizem mesmo ao nosso lado. Assim, entram dois homens (também não comento o aspecto nojento... ups, já comentei) que ficam mesmo ao meu lado, porque a carruagem vai a abarrotar. Vejo que olharam atentamente para mim mas não ligo. A música acaba e ouço um dizer '...epá, lá isso era. Aqui tinhas fruta para todo o ano!'. Esta foi a fase um, em que me comecei a enojar. Depois, quando o volume de pessoas aliviou, colocaram-se cada um de seu (meu) lado. Um deles começou a fixar-me atentamente: primeiro a cara, depois só as mamas. E depois a cara outra vez, como se eu fosse dizer-lhe 'Sim, possui-me já aqui'. Não aguentei: pedi licença a outras pessoas e fui para o meio da carruagem. Quando ele saiu, lançou-me um olhar como se eu tivesse que pedir desculpa. E eu só a pensar que, no dia em que me sair o Euromilhões, declaro abertamente que não gosto de pessoas. E mudo-me para um sítio onde não tenha que as aturar.

outubro 08, 2006

Irmãos Catita, CAE Portalegre





(fotos com autoria de moi e de Teresa Paula, excepto na foto de grupo, autoria do feliz aniversariante)

A noite chegou como quem não quer a coisa: não se fez anunciar, não estava planeada, nada. Chegámos tarde mas eles chegaram mais tarde ainda, a testarem a paciência dos espectadores. Manuel João passeava-se pela audiência, entre os gritos de 'Candidato!' e de 'Beirão!' que eram disparados de todos os lados. Tocaram muito tempo, um concerto dividido em duas partes, com direito a um intervalo para refrescar gargantas. Houve a asneirada do costume, os dizeres fortes para agitar as massas, a piadola de quinta categoria (como é sempre seu apanágio). Consegui a proeza (com ajuda, é certo) de tirar perto de 250 fotografias numa noite, o que já diz muito sobre a qualidade de muitas delas. O aniversariante teve direito a uma fotografia com os artistas (aqui, o momento exacto em que o gajo da esquerda lhe diz '30 anos? Tás acabado!') e nós tivemos direito a incomodar muita gente com os flashes disparados a torto e a direito. A cerveja acabou, o sumo de limão que acompanha o Bacardi também mas a boa vontade fez com que se bebesse sempre outra coisa qualquer. Havia Vespas por todo o lado e nenhum frio na rua.

Foi bom e o resto é conversa.

outubro 07, 2006

But right now everything you want is wrong.



Em vez de me enfiar em casa a amaldiçoar a minha sorte, decidi que a melhor coisa a fazer era simplesmente ignorar esta vontade de ter pena de mim própria. Porque se estivermos sempre ocupados, se nos mexermos muito a cabeça nem dá por nada e esquecemo-nos de todos os tormentos. Vai daí, resolvi também abandonar-me aos cuidados de quem sabe.

Na quinta-feira resgataram-me na gruta onde me encerro e levaram o jantar. Um muito previsível frango assado, batatas fritas no mesmo óleo que frita o peixe e uma garrafa de tinto (Terras de qualquer coisa, agora chamam-se todos assim). Juntou-se-lhe uma garrafa de Real Lavrador e fez-se a festa. Exorcizámos, em conjunto, o resto dos demónios que me habitavam: ele lá estava, sob a forma dum coelho da Páscoa da Milka. Partimos o bicho, bebemos o tinto em copos de chocolate improvisados e comemos o resto. Eles só queriam ter a certeza que estava completamente sã e livre do passado.

Na sexta-feira levaram-me a beber cerveja.

Hoje fomos à Feira Árabe, nessa vila tão injustamente ignorada que é Marvão. Mas só depois de decidir quem conduzia, de incomodar a GNR estacionando num sítio que [sic] 'podia incomodar as viaturas'. Galgámos as ruas completamente esburacadas (onde antes existia calçada provavelmente romana... Mais alguém acha aquilo um acto bárbaro?), parámos duas vezes na Ginja da Tia Amélia para bebermos seis rodadas da melhor ginja de sempre. Conversámos com o dono, um velhote de 85 anos que não estranha nenhuma conversa, que não quer cartazes à porta a anunciar a ginja, que sabe que quem sabe o que é bom lhe vai necessariamente bater à porta. A feira era pequena mas animada, completamente dominada por espanhóis (ou não olhássemos para Espanha logo ali ao lado) e onde havia um ferreiro a sério, que batia as peças numa pequena praça. Houve tempo de comprar um pastel de nata gigante com chocolate no meio e ver os animadores da feira passearem pelas ruas com cobras ao pescoço. E hoje ainda há Irmãos Catita. Ah pois é.

Lobo Mau (a horas dos trinta) e Fofinho, vocês rockam.

outubro 06, 2006

Over and over and over again

Eu juro que, nos dias normais, não sou gaja para acreditar em vida para além da morte ou em múltiplas reencarnações. Mas, em dias como o de hoje, começo a achar que certamente já vivi outra(s) vida(s) antes. E, pior que isso, quando vivi essa(s) vida(s), era uma grandessíssima duma cabra, que fazia a vida dos outros num inferno. É que só isso pode explicar uma pessoa ter tanto azar junto. É azar atrás de azar. Às vezes, ingenuamente, penso que o pior já passou mas arranjo sempre mais uma maneira de bater ainda mais fundo. Ou esta porra é contagiosa ou é mesmo uma questão genética. Já vou dominando esta pose de Epá, vamos a eles, mal era se não tivéssemos saúde. Mas confesso que isso cansa: especialmente depois de passar de pessoa consolada no seio da família para a pessoa que tem que consolar todos e mais alguns.

Portanto, ou esta maré interminável-não-penses-que-não-há-pior-porque-oh-sim-consigo-desenrascar-mais-uma-desgraça acaba e eu posso, finalmente deixar de sentir pena de mim própria, ou tenho que tomar medidas ainda mais drásticas. Enquanto o Universo se decide, eu vou ali beber cerveja até não me conseguir lembrar mais disto e o Universo me parecer um tipo giro e justo.

O equívoco

Epá. Se calhar sou só eu. Só eu a ver isto, quero dizer. Mas estão a dar os Pastéis de Nata na 2: e os convidados são,entre outros, o João Soares e o João Braga. Um socialista empedernido e bochechudo e um monárquico mal informado. Um socialista que tem a 2ª voz mais irritante a seguir ao João Malheiro e é filho dum anedota candidata a Presidência da República e um fadista apoiado pela Tertúlia Cor de Rosa. João Braga discursou na televisão sobre a o papel da monarquia em Espanha e Itália na Segunda Guerra Mundial, enquanto o socialista lhe fazia um desenho da linhagem real. E quando percebeu que não sabia exactamente do que falava, Braga nem teve a delicadeza de admitir que tinha errado: era mais fácil fazer com que o João Soares se enterrasse. Serviço público, dizem uns. Serviço constrangedor, diria eu.

outubro 03, 2006

Este é um momento solene e de feliz partilha. Esta é a primeira imagem da primeira peça do meu enxoval que consegui arrancar à minha mãe. É isso mesmo: arrancar.

A minha mãe mantém o meu enxoval refém desde os tempos mais remotos. É ela que põe ordem na imensidão de colchas de renda feitas pela minha avó, bolsas do pão como toda a gente devia usar (com as suas próprias iniciais), faqueiros, trens de cozinha, panos de cozinha e toalhas de mesa. Só há pouco tempo é que descobri que o meu enxoval inclui ainda um secador (e jeitoso!), uma faca eléctrica, um ferro de engomar e uma batedeira. Isto sou eu a ser pouco curiosa e a deixar o resto com a minha mãe.

Confesso que, como quase todas as raparigas que conheço, que sempre odiei a ideia de ter um enxoval. A simples palavra arrepia-me. A ideia que lhe está subjacente - a do casamento como dita a lei, dentro do tempo estipulado pela lei, com o marmanjo estipulado por moi- aflige-me. E sempre que a minha mãe me tentava convencer de que era a melhor coisa a fazer, que ser prevenida não podia fazer mal a ninguém e que mais um jogo de toalhas só trazia vantagens eu fugia. Eu simplesmente ignorava a prendas que se destinavam ao enxoval: deixava a minha mãe armazená-las junto do resto (coisa misteriosa) em localização incerta (e ainda mais misteriosa!). Cuecas e meias ainda vá que não vá; mas jogos de cama? De flanela, ainda por cima? Nã, nunca consegui esboçar o mais pequeno sorriso. Não era só eu, eu sei: esta é mais uma fobia geracional.

Os anos passaram depressa demais. Tão depressa que agora quem anda a ver do enxoval sou eu. Não do enxoval do género o véu e demais adereços do casamento mas das utilidades. Quando pensei numa casa minha e numa coisa totalmente independente deparei-me com um bonito e desesperante cenário: as casas vêm vazias! Quer dizer, eu sabia que vinham vazias.. mas vê-las assim... Hum. Portanto, há ali espaço que até chateia que uma miúda tem que encher. Há armários da cozinha à espera de ter tachos lá dentro e formas de bolos e travessas de pirex. Há gavetas à espera de panos floridos e de toalhas de plástico e há receitas que esperam os meus electrodomésticos para serem preparadas. O que não havia era vontade da parte da minha mãe para se desfazer de tudo.

Ela bateu o pé. Que não era suposto levar já as coisas, que o enxoval só se deve usar num casamento. Se não o exprimiu exactamente assim verbalmente, certamente que esteve lá próximo. De maneiras que, durante uns tempos, me vi obrigada a cercá-la e rondá-la e tentar descobrir onde guarda tudo. O que não consegui, obviamente, porque toda a gente sabe que a minha mãe é perita em esconder e rearrumar coisas. Depois passei às falinhas mansas, Precisava de fazer um bolo mãe! Mas em Lisboa. Onde está a batedeira? mas nada também. Ela dizia que ainda não era tempo. Estava quase a desistir quando lhe falei em secar o cabelo e ela me desencanta esta máquina. Um pequeno passo para mim, um passo gigante para o resto do enxoval. Se a coisa se compuser entretanto, vou poder vê-lo todo em algumas semanas. Mas só se ela achar que não é pecado uma gaja de 26 anos já viver sozinha com o seu próprio enxoval. Portanto, a coisa vai demorar.

outubro 01, 2006

Comfort (me)

Semanas de trabalho com 6 dias e constantes horas extraordinárias nunca podem ser coisa boa. Sim senhor, uma pessoa até pensa que está a fazer um esforço para o futuro e para enfrentar as despesas que aí vêm. Em última análise, pensa-se que pode ser bom a nível profissional, que alguém vai reconhecer isto um dia. Mas vão? Se calhar não vão. Mas não conheço outra maneira de pensar.

São 6-dias-6 a acordar às 6 e meia, noite cerrada, as persianas às vezes fustigadas pela chuva. Eu acordo e penso todos os dias que não, que não pode ser, que afinal hoje era folga e nunca era. Só hoje. E, para mal dos meus pecados e preguiça, levantei-me hoje e percebi que precisava de um hipermercado. Eu, que tinha planeado um Domingo de pijama passado em frente à televisão, vi-me antes obrigada a enfiar-me no carro e no meio daquela multidão. Ainda por cima em dia de Benfica. Sim, já me tinham dito que tinha uma certa inclinação para a auto-destruição.

A colega do lado faz anos e eu não faço a mínima ideia do que lhe vou comprar. Arrasto-me sem vontade por ali, entro em loja, saio de loja. Não pego em nada, estou só cá para ver. E se fossem uns brincos? Ou uma carteira? Um livro não, que ela não gosta de ler. Ah, e filmes também não, que se deixa dormir. Qualquer coisa para a casa está fora de questão. Por isso, saio de lá com uma prenda completamente impessoal, desconsolada. Mas para mim trouxe uma varinha de fada com uma estrela na ponta. Que não sei para que serve mas que na altura me pareceu útil.

O meu único dia de folga está a acabar e eu não fiz nada do que queria. A não ser apanhar o cotão que insiste em espalhar-se pela casa. Mas isso eu não queria fazer. Tenho que fazer. Por isso, que melhor maneira de terminá-lo senão com uma coisa que me dá prazer e que me acalma e que me suja tudo de novo? É uma tarte de espinafres e queijo. E espero que saiba tão bem quanto me parece.