setembro 29, 2006

O extraordinário, o péssimo e o assim assim

Os dias pregam-nos tantas partidas e tão repentinamente que a) não temos tempo para saborear algumas b) preferíamos não saber da existência de outras c) ansiamos pelas partidas. As pessoas perguntam-me por novidades, o que tens feito?, o que tens descoberto? e quando eu digo a verdade, que não tenho feito nada de estrondoso, que tenho estado sossegada e decoberto muito pouca coisa, toda a gente me olha desconsolada, com uma cara que me diz 'Caramba, sempre esperei algum rasgo de loucura. Afinal é de ti que estamos a falar'. Não sei muito bem como é que me coloquei nesta pele. Quer dizer, sei, mas as pessoas mudam. E há momentos de estagnação, de paragem, de desconforto. E é por isso que muitas vezes me sinto tentada a inventar uma vida agitada e fabulosa, cheia de episódios tão surreais que essa mesma gente deixaria de acreditar em mim mas, pelo menos, não tinha que suportar a cara de desapontamento quando digo 'Não tenho feito nada de especial'.

[Abro uma cerveja gelada.]

Ontem o pai duma amiga minha levou um tiro. A notícia foi-me dada assim como quem dá um murro no estômago, já depois de ela não estar perto de nós. Não houve tempo para a consolar nem para lhe dizer aquelas banalidades todas que fazem falta, que nos fazem, por momentos, acreditar que há efectivamente esperança. Por uma disputa de terrenos onde passava um curso de água, o pai da minha amiga levou um tiro à queima roupa que não lhe rompeu uma artéria por puro acaso. Eu tinha visto no olhar dela que não havia vontade de rir nem de desancar o tipo da secretária ao lado mas não soube ainda ler esta profunda dor e o medo. Não conhecer bem as pessoas faz-me sentir mal, não saber ler-lhe as aflições ainda pior. Mas os tempos de crise apertam os laços que já unem as pessoas e assim espero que nós não sejamos excepção. Eu sei que ela não me lê, que ela nem sabe que este espaço existe mas se o soubesse eu diria que gostaria de ajudar como puder.

[Ergo a garrafa e penso num brinde.]

O universo é uma coisa perfeita, disso não tinha já dúvidas. E para manter este equilíbrio cósmico, esta balança que não pende para nenhum dos lados, deixou-me acabar o dia com uma notícia feliz. Uma pessoa de quem gosto muito (mesmo que isso pareça estranho ou nada de especial) conseguiu uma coisa que há muito desejava e que há ainda mais tempo merecia. Não é exactamente por isso que estou contente, apesar de isso me encher de orgulho: é porque agora sei que, com passos pequenos, ele vai poder começar outra vez a reconstruir tudo o que perdeu. E saber que o fez por mérito próprio, que só dependeu de si mesmo para se levantar do chão é animador. Para todos, mesmo aqueles que acham que já chegaram onde querem. O limite agora é o céu. Mesmo sabendo que o que ele quer agora é apenas um tecto.

[Brindo aos dois, a duas pessoas tão diferentes e tão diferentemente bafejadas pela sorte, pelo equilíbrio. Que eu possa, com eles, encontrar-me apenas num prato da balança.]

setembro 23, 2006

Good Riddance (Time of your life)


Um dia estava a pensar nos sítios onde gostaria de ir e dei por mim a pensar que o que gostava mesmo mesmo mesmo era de fazer outra road trip. Em 2003 alugámos um carro já em Espanha e estivemos 11 dias a fazer aquilo que nos apetecia, a parar nos sítios mais improváveis e mais turísticos e essas foram umas das melhores férias de sempre. Éramos quatro num Seat Ibiza, a brigar pela música que íamos ouvindo e a tentar não ser esmagados pela bagagem. Não tínhamos nenhum plano em concreto mas sabíamos que existiam 3 ou 4 sítios de paragem obrigatória e por isso não havia a pressão de ter que fazer alguma coisa em especial. Em cada dia conduziam 2 pessoas diferentes, houve até quem sonhasse conduzir em França (desculpa mas sabes que isso foi hilariante) e a quem calhou conduzir apenas em território espanhol. Dormimos nos parques de campismo mais exuberantes com o tempo mais instável da península, tomámos banho em praias verdadeiramente desertas, ficámos deslumbrados com o Guggenheim em Bilbau e com o ar veraneante e francês de San Sebastian. Em Madrid tivemos direito a orquestra sinfónica no parque de campismo, disputámos pacotes de sumo e comemos sandes na viagem toda. Mas quem é que pensa em conforto e estômago cheio quando pode ser totalmente livre?

E por isto tudo, quando há dias pensava no que me apetecia fazer, pensei novamente numa viagem longa. Pensei numa coisa feita sem pressa e sem visitar o óbvio ou o obrigatório. Quando dei por mim, já tinha comprado este guia e outro dos Estados Unidos. Foi a primeira vez que percebi que me sinto atraída pelo país, que sinto vontade de o explorar e de o atravessar. Coast to coast foi o que me veio assim à cabeça. Os guias já estão comprados e em disposição de serem estudados, já comecei as minhas diligências para tentar encontrar os companheiros ideais para uma viagem assim. Só já me faltam os pormenores: muito tempo e muito dinheiro. Já imaginei as bandas sonoras, a pouca bagagem que tenciono levar, o meu deslumbramento. Não interessa que só daqui a muito tempo consiga ir. Não interessa que vá demorar uma eternidade a juntar esta quantidade de dinheiro, que não convença mais ninguém a partilhar este volante comigo. Isto já é um objectivo e com objectivos o caminho é menos duro e menos acidentado. Um dia destes vou estar lá, on the road.

setembro 20, 2006

Da velocidade do coração

Hoje não foi um dia bonito. Nem sequer um dia fácil. É mais daqueles dias em que, às oito da noite, me sinto um trapo. E um trapo cheio de dores nas costas, ainda por cima. Saí de casa quase de noite, fiz horas extraordinárias. No emprego, não contente com as dificuldades que sentimos em cumprir prazos, ainda tenho que me dividir entre as constantes tentativas dos alemães para acabarem conosco, o stress dos outros membros da equipa e um colega que é um autêntico atrofiado no trabalho e na vida. Arranco do trabalho para ver mais casas (acho que no final isto equivale ao curso de mediador imobiliário), ando a pé de um lado para o outro. A chegar a casa, estafada, lembro-me que não há jantar e vou direitinha a caminho do fast food. Saio do carro, estacionado perto de casa, e enfio o pé esquerdo numa poça de lama. Já de saquinhos na mão, chego a casa para ver um exército de formigas a passear na cozinha. É acolhedor.

***

Mas o que me ocorria mesmo há bocado é a semelhança entre ver casas para comprar e conhecer o sexo oposto. Na primeira situação começo a ficar uma profissional; na segunda acho que sou pouco mais que uma principiante. Mas há um paralelo.

Antes de conhecer a casa (ou o membro do sexo oposto) cresce uma certa expectativa em mim. Começo a imaginar como será, tentar adivinhar-lhe os contornos, tentar perceber se a imagem ou o aspecto exterior vão ser impeditivos quando decidir ficar com ela (ele). Há uma habituação às (poucas) características que conheço. As noites antes de a (o) ver são mal passadas, com camas desfeitas devido às voltas na cama, com aquele nervoso miudinho que me faz olhar para o relógio a todas as horas certas. Imagino imagino imagino. Quando vejo a casa (o membro do sexo oposto) o entusiasmo toma conta de mim, esqueço-me de casas (membros do sexo oposto) anteriores e começo a pensar se me consigo habituar. Imagino-me a viver lá (com ele), tento forjar os hábitos futuros e as dificuldades que certamente vão chegar. Quando a (o) deixo para trás, vou a andar nas nuvens: a imaginar imaginar imaginar, feliz e bem impressionada, com a cabeça cheia se ses e pronta para passar mais uns bons bocados a pensar nela (e). O trabalho é feito com mais vontade, a viagem no metro é acompanhada pela banda sonora mais adequada. E depois, no final, descubro que a casa é muito cara ou que tem infiltrações ou que já está ocupada ou que só me pode receber daqui a tempo demais. E as coisas continuam a ser semelhantes.

setembro 18, 2006

Magic II


Eu sei que é parvo e muito ridículo dizer-se estas coisas. Mas eu olho para ele e não resisto: casava-me já. Não me interessa que ele não seja um sex symbol - o carisma, a personalidade e o charme são tão mais importantes que o aspecto... Aqui, enquanto nos tocava com a luz da sua música e presença.

Magic I


Adivinhem quem está um bocadinho mais feliz hoje... Não há nada melhor uma loja de bootlegs oficiais, onde se compra o concerto, as capas e contra-capas e algumas fotos. É por estas pequenas coisas que eu gosto de ser auto-suficiente. Para ser um bocadinho mais feliz.

setembro 16, 2006


E agora toca de esquecer o Blogger e as novas tecnologias. Vou saborear a lasanha acabada de sair do forno. E ainda bem que fiz lasanha para 6 pessoas. Nunca se saber quando alguém nos pode bater à porta...
Cheers!
O passo seguinte, montar a coisa, foi certamente o mais simples. Foi apenas colocar camada em cima de camada enquanto pensava 'Esta é por pensares que o João Lopes podia escrever um bom argumento. Esta é por achares que o Rogério Samora ainda é jeitoso. Esta é por ainda quereres gostar de cinema português.' E agora é ver o que sai daqui. Beber um copo de rosé fresquinho enquanto se vêem as variedades na televisão.
Viva o descanso.

Os molhos já estão prontos ou, pelo menos, quase. Para a próxima vou pensar seriamente no bechamel de pacote, apesar do meu não estar mau de todo. Ainda pensei tornar a receita numa coisa mais popular e juntar-lhe só uma latinha de atum. Mas o salmão estava no frigorífico a pedir para entrar. E assim testemunham a primeira vez que entra salmão fumado nesta casa!

M @ cozinha


E agora para algo realmente novo... a postagem, completamente em directo, do jantar de hoje. Peguei no meu exemplar milenário do 'Mulher na Sala e na Cozinha' e juntei-lhe mais alguma modernices e resolvi-me por uma lasanha com salmão fumado. Bem regada, claro está. Era o mínimo que podia fazer por mim de pois de ter visto o novo filme do Fernando Lopes.
So this is my treat.

setembro 15, 2006

Este post não é amargo. É tranquilo.

Se há coisa com a qual podemos contar é com o passado: ele acaba sempre por nos bater à porta. Umas vezes bate sem avisar, outras faz-se mesmo anunciar. E se nalgumas vezes o convidamos a entrar, noutras apetece-nos mais dizer que estamos a ocupados a lavar o cabelo ou a fazer outra coisa igualmente desinteressante. Depois há também a questão de que passado estamos a falar: do passado cheio de memórias boas, de sorrisos e coisas partilhadas ou, pelo contrário, do passado que queremos a todo o custo evitar, que queremos esquecer, fingir que nunca existiu.
O passado hoje bateu-me à porta de três maneiras diferentes, quase coincidentes, temporalmente falando. Liguei o rádio e os anos oitenta entraram-me de repente em casa, nas noites habituais da Radar. Ouço uma das músicas de que mais gostava quando era mais pequena - It's a sin, dos Pet Shop Boys. Há uma série de memórias que afloram desde logo (as matinés no Pacífico, os amores nunca correspondidos, o cheiro da fábrica da cortiça). Bateram-me à porta mas tinham avisado que vinham. Primeiro temos o trabalho de disfarçar o desconforto, passar a imagem de que somos e estamos cool com a situação. Depois há uma habituação serena, as palavras custam muito menos a serem ditas, as coisas que queremos dizer chegam-nos à boca em catadupa. A única coisa que não se altera é uma certa afectação no olhar, uma incapacidade de se olhar de frente alguém a quem já se prometeu tudo, alguém a quem podíamos ter dado tudo. Falamos até parecermos idiotas, evitamos os silêncios embaraçosos, disparamos banalidades mas banalidades familiares. Eu descubro que fiz as pazes com o passado, pelo menos com este passado que está parado na minha sala e sinto-me tranquila.
Depois, às voltas com os antigos cds, o passado volta a fazer-se notar. Revejo fotografias, auto-retratos em que tentava olhar para dentro de mim mas de fora e lembro-me dum passado em que andava à deriva. Não sei se agora estou tão perdida como nessa altura mas sei que estou exactamente desfalecida como antes.

[A fotografia é minha, um auto-retrato falhadíssimo. A banda sonora é deles: When I look back upon my life/It's always with a sense of shame/I've always been the one to blame/For everything I long to do/No matter when or where or who/Has one thing in common, too/It's a sin.]

setembro 10, 2006

O tempo esteve do nosso lado: nem eu precisei de usar os dois casacos que levei para prevenir, nem eles precisaram usar t-shirt a noite toda. A cerveja correu em quantidades industriais, como se quer na despedida do Verão. Não houve ninguém a lutar para provar que conseguia atear melhor o lume e, por isso, a carne grelhou num instante. Havia um sofá mas não havia casa de banho. Havia tanta parvoíce para dizer, uma arena para traças (?), luzes psicadélicas sob as quais não dancei. Eu já queria dormir tapada e usar mangas fininhas com saudades do Outono. Mas esta despedida do Verão fez-me ter saudades do calor que ainda se faz sentir e do tempo em que podíamos estar assim, sentados na rua todos os dias. Sem compromissos. Mas chega de saudades. Venha o tempo frio.

setembro 09, 2006


Há dois anos atrás, na festa Adeus Camaradas (após a qual fui para Berlim e outros foram para Bruxelas), não se estava mesmo nada mal na Broa. Aqui se comprova este facto - as bebidas em exposição foram todas consumidas e reservou-se o direito à admissão. Um dia ele virá, o grande Festival da Broa.

setembro 08, 2006

Amanhã é dia de festa de despedida do Verão. Não sei exactamente quem se lembrou da ideia mas parece-me excelente! O plano é uma tarde/noite/madrugada na quinta da Broa (e não, não estou a inventar, a quinta chama-se mesmo assim...) com muita comida, grades de minis, calor e um tanque à mistura. Fazia-me falta uma coisa assim. Primeiro, porque estou cansada do trabalho. E depois porque me deu que pensar e percebi que há um ciclo que se vai fechar agora.

Este Verão foi (é) demasiado importante para mim. Foi o Verão em que comecei a trabalhar a sério, com condições a sério e uma equipa motivante. Foi um Verão de me apaixonar e des-apaixonar, não muitas vezes mas intensamente; de sentir o alívio do esquecimento e o alvoroço das borboletas do título; de sentir que me levantei outra vez e de sentir também que posso cair a qualquer momento; de acabar com os porquês? e começar com os porque não?. Foi um Verão com gente nova na minha vida: gente fresca e entusiasmante, gente bonita e gente muito chata, gente tranquila e gente sem paciência nenhuma - gente que deixou de ser gente para passar a ser amigo ou amiga, pessoas com quem gosto de estar, de quem sinto saudades. Foi mais um Verão sem praia e desta vez também sem piscina. Foram só três as vezes que me pude estender ao Sol - lembrem-me para não começar mais empregos no Verão. Foi um Verão em que fui dona duma casa e em que o deixei de ser, assim mesmo, para mal da minha imaginação e necessidade de espaço. Foi um Verão sem os meus amigos de sempre. Fomos enganados pelo tempo ou pela maturidade e agora andamos desencontrados.

Mas não há problema: enfio o biquini à pressa na mochila com a roupa, enquanto acabo o pequeno almoço. Aproveito que o departamento está a meio gás e trabalho com mais tempo. Distraio-me na hora de almoço no centro comercial, a fazer contas ao dinheiro que não posso gastar. Conduzo durante quase três horas, com o som no máximo, cantando também no máximo, sentindo os mosquitos a baterem no meu braço. Chego a casa e vou ver os avós, a visita de médico, estás melhor?, essa perna?, olha trouxe roupa para lavar. Pego no carro, passo pelo Boletim Metereológico, olho para a cidade, subo ainda mais e chego à Broa. Vocês estão lá, debaixo da videira, em volta do tanque. Eu buzino três ou quatro vezes, vocês acenam e estaciono. Saio cansada e suada da viagem, vai apetecer-me muito uma mini. Estendem-me uma, bem fresca e eu dou um golo longo. Olho para a serra e lembro-me quando ardia e as cinzas nos caiam nos corpos queimados. Sento-me numa cadeira da pesca, vocês continuam a discussão animada e inútil que estavam a ter e eu cheguei finalmente a casa.

setembro 06, 2006


Everything has changed. Absolutely nothing changed.

Acho que era suficiente eu dizer que tocaram as minhas 3 músicas preferidas (quase de sempre): Corduroy, Dissident e Rearviewmirror, exactamente por esta ordem e exactamente as mesmas que não esperava ouvir. Também podia dizer que o Eddie Vedder pode (vir a) ter 60 anos, muito álcool/droga na cabeça, pode (como no Restelo) esquecer-se de muitas das letras mas será sempre um animal de palco que a) termina o concerto extasiado, deitado no chão, b) hesita em despedir-se, c) se passeia quase de forma infantil com a bandeira de Portugal à la Superman.

Podia dizer que assisti a um momento mágico ou que pelo menos assim pareceu - Vedder usa a guitarra para reflectir a luz dos projectores e beija o público todo com essa luz. Como se fosse uma luz vinda de cima e como se todos tivéssemos sido abençoados com a possibilidade de ouvir Música. Também não seria menos verdade dizer que o ritmo do concerto foi irrepreensível, a escolha das músicas impecável, o público incansável (levantem as mãos os que perderam essa voz!). E que vivi outro dos momentos mais brutais de sempre: a altura em que se acendem todas as luzes do pavilhão e, ao contrário do esperado, eles continuam a tocar, só mais duas música, vá! e a frase Keep on rockin' in the free world de repente tem mais sentido.

Ou então podia apenas dizer que me apaixono outra e outra vez. E é muito bom.

setembro 04, 2006


Amanhã será a minha segunda vez e, posso garantir-vos, continuo maravilhada!

[Ai o que eu vou cantar quando eles começarem com a Black e a Nothingman e as canções velhas e o que eu me vou chatear quando, mais uma vez, não tocarem a Rearviewmirror nem a Dissident nem a Corduroy! Ai!]

setembro 03, 2006

Recomeçou a canseira. Virar páginas e páginas de jornais, vasculhar os sites sem parar, tentar saber se algum amigo de um amigo tem alguma pista. No meio dos anúncios tentar distinguir porque é que a casa é tão barata, tentar perceber o que quer dizer exactamente 'remodelada' ou 'estimada' ou 'em muito bom estado'. Chego à conclusão que, para se entender o mundo das imobiliárias, é necessário um curso ou, pelo menos, muita atenção aos possíveis duplos ou triplos significados.

Depois há a questão da zona. Não estou, obviamente, em condições de recusar um bom negócio, uma casa cuja relação qualidade-preço seja a ideial. Mas quando me falam em morar no Cacém ou em Rio de Mouro ou no Seixal, fico em pele de galinha. Literalmente. Há uma questão de prioridades muito clara nesta escolha: eu podia ser uma moça já casada, esperando ter filhos, podendo assim alegar que crescer fora de Lisboa seria o ideial. Mas não sou, donde concluo que aquilo que me apetece mesmo é estar no centro, é estar num sítio onde me possa movimentar à vontade, sem carro e sem quaisquer inibições de tempo. Há umas quantas zonas em Lisboa que me vêm à cabeça (todas sujas e apertadas mas cheias de gente, gente que vai ao café, gente que se demora na mercearia) mas que estão, claro está, completamente inflacionadas. Em todo o caso, não vou com certeza morrer se tentar encontrar alguma coisa. É rezar (se ao menos eu o fizesse...) para que me venha parar às mãos um negócio dos diabos.

Ironicamente, o novo catálogo do Ikea veio parar-me à caixa do correio no mesmo dia em que soube que o negócio se tinha desfeito. Nem tive ainda vontade para o folhear e tentar descortinar como vou equipar a casa que ainda não tenho. Pior, a casa que ainda não conheço. Mas é como diz o outro, vamos agora aproveitar a embalagem e já que estamos numa de acção, vamos revoltar tudo à procura de uma casa melhor. Vamos discutir preços e canalizações. Vamos sonhar com a casa ideial, vamos vê-la quando andamos por Lisboa, vamos fingir que ela já existe. Vamos escolher o tapete da sala e as prateleiras que o meu pai não me quer pregar no quarto. E vamos pensar como vamos acomodar todas as cervejas no meu novo combinado para a inauguração e como vamos arranjar espaço para todas as saladas frias e qual vai ser a selecção musical. Parece que já estou a ouvir a música de abertura, só para mim, só para dançar na minha sala nova, com tudo em pulgas para receber os convidados todos

she's a superhuman girl/ she is Superwoman/ she is Superman's cousin/
she's got superpower lovin'/ she's got superhuman eyes/ and see through superhuman vision/ she's got superhuman thighs/ sexier than television