junho 18, 2005

Entrei dentro do carro, já a sofrer por antecipação. Ao fundo da rua, há uma cratera imensa no asfalto guardada por polícias e bombeiros, todos param a ver (estas coisas lembram-me sempre do dia em que o mundo vai acabar). A tortura começa cedo, as calças colam-se às minhas pernas, sinto-me como se estivesse numa sauna finlandesa. Carros e mais carros por todo o lado e eu amaldiçoei-os a todos mais uma vez, a pensar 'Porque não tenho a estrada só para mim?', a tentar inventar uma lei que só me permita a mim usar as estradas. Já tenho a ponte nas costas e começa o pesadelo dos camiões mas só até àquele cruzamento onde comprei a rifa aos bombeiros na outra vez. Depois disso é recta atrás de recta, são buracos que nunca vão ser alcatroados, aldeias que são duas casas à beira da estrada. Quanto mais me aventuro no interior, mais quente é o bafo fora do carro (e dentro do carro e em toda a parte, na verdade, não há fuga possível ao calor). Já não há ninguém nas estradas, só há searas queimadas, velhos que se sentam nos bancos à espera que o calor vá embora mas só até amanhã que esta gente não sabe viver de outra maneira. A minha viagem é comovente, juro que é: dói ver como toda esta parte da terra vai sendo abandonada aos poucos - porque o calor é muito e o trabalho é pouco- e penso, de repente, como ia ser se um dia ninguém mais vivesse aqui? Não quero imaginar porque esta terra é minha. Quero-a, senão verde, pelo menos com gente que teima em ficar. Olho para trás, só vejo deserto

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com árvores, mas é deserto, não se enganem. Não há nada que cresça ali, nada que se coma ou que valha a pena. Sobram os sobreiros mas já nem eles conseguem acalmar o calor. Há bichos mortos na estrada (já não tinham vontade de viver no desterro, no calor insuportável, numa terra que fica sozinha aos poucos?) e há velhas sentadas nos degraus, vestidas de preto, com o olhar perdido nas paredes caiadas do outro lado da estrada, perdido naquilo que um dia foi e não volta nunca, nunca atrás. A lembrar o tempo em que podiam trabalhar e ir lavar a roupa ao tanque e a pensar como lentamente ficaram sozinhas na terra, benditas as nossas vizinhas! Depois chego àquela recta interminável, 15 kms de recta, 15 kms sempre, sempre em frente, 15 kms em que me canso realmente de conduzir. Já vai a hora avançada, sei que em casa já não há ninguém e eu ainda estou dentro do carro. A lutar para não me sentir imunda, coberta de suor, a tentar por a cabeça de fora e sentir a brisa... A brisa? Fora da janela, a minha cabeça está dentro dum forno, o ar é denso, quase que o podemos agarrar. Eu quero fazer esta viagem sempre mas não a quero fazer nunca mais. Dentro do carro, sei que as minhas raízes estão aqui, que nunca lhes vou conseguir escapar, que vou voltar sempre ao mesmo sítio, mesmo que para isso tenha que desafiar todas as regras da higiene. Eu gosto de ser desta terra tão pouco fértil, onde pastam as vacas mas só durante poucas horas porque o calor não as deixa mexer. Não posso renegar a minha origem, eu SOU esta terra. Muito mais quando ela me recebe assim


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A insuportável melancolia de ser alentejana

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