março 08, 2005

À beira das lágrimas



"A música de Rodrigo Leão é a música da inteireza; de uma pessoa que nunca está só; de uma só vida que não existe sozinha.
É, em três palavras, a música da vida, a música da música."

Miguel Esteves Cardoso, Blitz 1034 de 24.08.04

Simpatize-se ou não com ele, MEC acertou em cheio na mouche neste sua rubrica semanal (quase pela primeira vez, diria eu). O elogio a Rodrigo Leão pode ter passado despercebido a muita gente mas foi, na minha opinião, inteiramente merecido.
Este sábado fui ao Forum Lisboa ver - quem poderia ser? - Rodrigo Leão, no âmbito da série de concertos (que penso chamar-se) "For U Music". A lotação estava esgotada (ou assim estava anunciado), sendo a maior parte do público composta por jovens trintões de sucesso (?) ou quarentões que gostam de música mais "sossegada". A pergunta da noite, para mim, foi: Porque raio há tão pouca gente da minha idade (ou mais novos) a conhecer e gostar de Rodrigo Leão? É, enfim, uma pergunta que vai ficar sem resposta e assim Leão continua a ser um segredo "daqueles" bem guardados.
Como base deste concerto estava o seu último albúm "Cinema", em que participaram (entre outros) Ryuichi Sakamoto, Beth Gibbons ou Sónia Tavares (estas últimas vozes das quais não senti falta devido ao enorme talento de Ana Vieira, que tem acompanhado Rodrigo Leão nesta digressão).
Acompanhado por guitarra, baixo, bateria, acordeão (ah grande Celina da Piedade!), violino e violoncelo, Rodrigo Leão tocou de forma apaixonada e entusiasmante, apenas interrompendo a sua actuação duas vezes: uma para cumprimentar o público, outra para apresentar os músicos. Estes estavam dispostos em semi-círculo, portanto visíveis de todos os pontos da belíssima sala do Forum Lisboa (fazia falta uma assim em Portalegre, pela sua dimensão e conforto). A única mudança cénica deu-se quando algumas imagens foram projectadas num ecran gigante, mas isso só aconteceu durante um tema, sendo que a sequência não era também digna de nota. Mas não era a encenação que me (nos) tinha levado ali - era, isso sim, a Música.
Passeando-se docemente entre os temas de "Cinema", o concerto teve os seus momentos altos nas interpretações femininas: Ana Vieira brilhou em "La Fête" (deliciosa composição que tudo deve à chanson française) ou em "Lonely Carousel", originalmente interpretada por Beth Gibbons mas que Ana Vieira interpretou de forma superior. O interessante e digno de nota nesta jovem cantora é a notória facilidade com que muda de registo e como se adapta também às diferentes línguas (cantou também em brasileiro "Rosa" ou a mais antiga "A casa"). Celina da Piedade apenas largou o instrumento que domina com paixão (o acordeão) para interpretar "Pasión", sedutora peróla latina, à qual se entregou com confiança e sensualidade.
Os temas instrumentais foram de uma assombrosa beleza: foi assim que comecei o concerto à beira das lágrimas, arrepiada pelo que a música de Rodrigo Leão evoca (a paisagem de Lisboa, os eternos namorados, uma espécie de dor quando estamos mais felizes...). Estes arrepios foram potenciados pela brilhante prestação da violinista Viviena Toupikova e pelo violoncelo choroso de Samuel Santos.
Dificilmente assistirei a um concerto como este mais uma vez. A não ser que a genialidade de Leão se continue a multiplicar e eu possa, mais uma vez, chorar só porque estou a ouvi-lo.

(obrigada Daniel)

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